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17 de Julho de 2018 às 20:54

A obsessão de Trump e a mão fraca de Putin

Há muito que fermenta na cabeça de Trump a obsessão de que as investigações sobre interferências de Moscovo nas eleições de 2016 não passam de uma cabala para amesquinhar uma brilhante vitória sobre a odiosa e corrupta Hillary Clinton.

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Ao lado de Putin, Donald Trump reiterou, portanto, suspeitas sobre pérfidas intenções do FBI, expressou cepticismo quanto às avaliações dos serviços de informações norte-americanos e tomou como boa a palavra do presidente russo.

 

Vladimir Putin, por seu turno, negou interferências, declarou que Trump fora o seu candidato presidencial preferido por pretender normalizar relações entre Washington e Moscovo e renovou a disponibilidade do Kremlin para cooperar com as autoridades norte-americanas em inquéritos a operações de ciberespionagem.

 

Frio e preciso, Putin marcou pontos, aproveitando a relutância de Trump em confrontar publicamente o presidente russo com responsabilidades do Kremlin na política revanchista que levou à guerra na Geórgia, em 2008, e na Ucrânia, em 2014, culminado na anexação da Crimeia.

 

Trump admitiu, de resto, a equivalência política e moral entre erros cometidos quer pelos Estados Unidos, quer pela Rússia, em contraste com a virulência das críticas que tem endereçado a aliados.

 

Um incremento da desordem que agita Washington desde a chegada de Trump à Casa Branca e da consternação entre aliados tradicionais dos Estados Unidos foi o melhor que Putin trouxe de Helsínquia.

 

Na capital finlandesa não surgiram sinais de possível levantamento das sanções norte-americanos e europeias que acarretam para a Rússia saída de capitais, relocalização de activos no estrangeiro, custos acrescidos de financiamento do estado, empresas e particulares, reduzindo, ainda, o fluxo de investimentos.

 

No cálculo de Kremlin, consequentemente, há plena consciência de que o carácter egocêntrico, errático e bombástico de Trump facilita a manipulação política, mas só até certo ponto.

               

"America first" é para levar a sério

 

Os diferendos entre Washington e os parceiros da NATO alarmam os estados bálticos ou a Polónia quanto ao real empenho de Trump nos compromissos militares dos Estados Unidos na Europa, mas revelam-se um pau de dois bicos para Putin.

 

O aumento das despesas militares dos estados europeus da NATO foi assumido após o Anschluss de 2014 quando ao anexar a Crimeia Putin violou o Acordo de Budapeste de 1994, mediante o qual Kiev procedera à desnuclearização militar, sem que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, signatários a par da Rússia, tenham intervindo para defender a soberania e integridade territorial da Ucrânia.

 

Seguiu-se, contudo, um reforço da capacidade operacional da NATO nas frentes leste e báltica, recentemente revalorizando a presença no Atlântico Norte e Ártico, e os presidentes da Ucrânia, Petro Poroshenko, e da Geórgia, Giorgi Margvelashvili, mantêm em aberto cooperação militar acrescida com os 29 estados da Aliança e a possibilidade de eventual adesão.

 

Os centros de decisão alemães foram, entretanto, obrigados a reconhecer que o deplorável estado das suas forças armadas dá razão aos críticos norte-americanos, mas também franceses, italianos ou britânicos, que criticam Berlim por ignorar investimentos de defesa à custa dos demais parceiros ao mesmo tempo que acumula excedentes da balança de pagamentos.

 

As contradições sobre investimentos estratégicos surgem quando Trump critica Berlim por dar luz verde ao gasoduto Nord Stream 2 para duplicar no final de 2019 as importações da Rússia que corresponderam no ano passado a 40% das compras de gás natural da Alemanha, equivalentes a 20% das necessidades energéticas do país.

 

Contas feitas, gás natural liquefeito norte-americano é, presentemente, mais caro, cerca de 35% das importações de gás natural da UE são oriundas da Rússia, seguindo-se de perto, a Noruega, e Berlim ignora objecções da Polónia e Ucrânia prejudicadas pelos gasodutos russos no Báltico.

 

A polémica ecoa, contudo, temores similares manifestados por estados da UE quanto à presença chinesa em sectores estratégicos (energia em Portugal, portos na Grécia) ou restrições crescentes nos Estados Unidos a investimentos da China em indústrias de inteligência artificial ou comunicações.

    

O jogo do tudo ou nada

 

Trump ao fazer depender compromissos militares da correcção de abusos conducentes a défices comerciais de Washington põe em causa o sistema de alianças militares na Europa, Coreia e Japão.

 

A promoção por Trump de uma aliança anti-Teerão no Médio Oriente tem, por sua vez, como consequência a necessidade de negociar com Moscovo a continuidade do regime de Bashar al Assad desde que contenha a presença iraniana na Síria, salvaguardando interesses de Israel.

 

A exclusão de Teerão do sistema financeiro internacional e sanções contra empresas que negoceiem com o Irão, para forçar uma revisão do acordo de suspensão do programa nuclear militar nuclear, aumentam a tensão com os aliados de Washington, mas de pouco valem aos interesses de Moscovo.

 

A negociação entre Washington e Moscovo da revisão do Tratado de Redução de Armas Estratégicas que expira dentro de três anos e a discussão sobre as violações de Moscovo ao Tratado para Eliminação de Mísseis de Curto Alcance e Alcance Intermédio, em vigor desde 1988, está de momento em suspenso.      

 

O proteccionismo de Trump pressionou desde logo a UE no sentido de negociar regimes mais favoráveis nas relações comerciais com a China e o Japão, testando, igualmente, propostas para reforma da Organização Mundial do Comércio para salvaguardar garantias multilaterais. 

 

Caótico e obsessivo Trump anda a refazer os jogos de poder.

 

Jornalista

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