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27 de Fevereiro de 2018 às 19:29

A ameaça síria aos ditosos mercados

Dezenas de mercenários russos mortos, outros tantos combatentes de forças pró-Damasco abatidos, nenhuma baixa pelo lado das forças especiais norte-americanas, é o que há a assinalar de uma batalha este mês no Leste da Síria que escapou ao sismógrafo Dow Jones.

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Washington e Moscovo evitaram recriminações após o ataque a milícias rebeldes e unidades especiais norte-americanas nas imediações Deir al Zour, a 7 de Fevereiro, mas o pior está para vir.

 

Contam-se, actualmente, cerca de dois mil militares norte-americanos na Síria para combater o terrorismo jihadista, conter a influência iraniana, prover ao afastamento de Bashar al-Assad e possibilitar o retorno de refugiados, segundo declarações do secretário de Estado Rex Tillerson.  

 

As tropas russas iniciaram, por sua vez, a retirada dos principais contigentes no final do ano passado depois de mais de 40 mil militares terem cumprido missões desde Setembro de 2015 numa operação bem-sucedida de resgate do regime de Bashar al-Assad.

 

A base naval de Tartus, as operações aéreas a partir de Hmeymim, revelaram-se cruciais para o esforço militar russo em convergência com o apoio de Teerão e das milícias Hizballah dos xiitas libaneses e Moscovo conta com estes baluartes no Mediterrâneo oriental.

 

Assad, por seu turno, no confronto contra jihadistas e salafistas sunitas patrocinados pela Arábia Saudita e Qatar, aproveitou-se das intervenções da Turquia na mira de esmagar veleidades de autonomia curda e assegurar a sobrevivência da minoria turcomena, e beneficiou ainda da desorientação estratégica de Washington.

 

Para salvaguardar negociações sobre o programa militar nuclear de Teerão e incapaz de sustentar uma intervenção militar com objectivos precisos e aliados fiáveis, Barack Obama renegou a ameaça de retaliação por ataques químicos pelas forças de Assad no Verão de 2013.

 

Israel, com o Irão e Hizballah na mira, intensificou, por sua vez, ataques pontuais a alvos potencialmente perigosos, enquanto se esvanecia a expansão territorial dos jihadistas do Estado Islâmico de Abu Bakr al-Baghdadi.

 

A guerra civil continua, tal como no Iémen, exacerbada pelo conflito entre as monarquias sunitas do Golfo – além do confronto entre Qatar e Arábia Saudita – e o Irão.

 

O patrocínio de norte-americanos, franceses, britânicos, russos e turcos a facções rivais acarreta, entretanto, um risco de escalada na eventualidade muito provável de ataques terroristas a forças norte-americanas, à imagem do sucedido no vizinho Iraque, porque um dos principais focos de confronto com jihadistas tende a concentrar-se na área de presença militar dos Estados Unidos.

 

Os mercados irão assinalar este risco de abrangência global em tudo diferente dos massacres em Ghouta Oriental onde se assiste à esperada e brutal ofensiva de al-Assad para extirpar o derradeiro núcleo salafista e jihadista nas imediações de Damasco e enterrar de vez as veleidades de conquista da capital alentadas por forças revoltosas desde o Verão de 2012.

 

Ao sétimo ano de guerra somam-se para cima de 465 mil mortos e desaparecidos, 7 milhões de foragidos da Síria e cerca de 6 milhões de refugiados internos.

 

Alauítas e milícias aliadas controlam cerca de metade do país onde se concentram 2/3 dos 16 milhões de habitantes, mas os compromissos políticos e os pactos com dignitários árabes sunitas, druzos, cristãos, ismaelitas, xiitas e curdos estão longe de garantir a hegemonia de al-Assad.

 

A minoria alauíta não excede os 13% da população, tem baixas taxas de fertilidade, e a sua variante heterodoxa e esotérica do xiismo com reconhecimento de Ali, primo e genro do profeta Maomé, como divindade, além da crença na transmigração das almas, é tida por herética aos olhos dos muçulmanos.

 

A usurpação do poder na década de 60 pelos alauítas ofende, sobremaneira, a maioria árabe sunita, aproximadamente 65% dos sírios, e de pouco vale a intervenção de cristãos ortodoxos russos e xiitas iranianos para legitimar querelas de crença e identidade. 

 

Ante a pressão turca, as forças curdas dificilmente conseguirão unificar os distritos norte de Afrin, Kobane e Qameshli, com os seus dois milhões de habitantes, e al-Assad tem aqui a possibilidade de acordos informais para áreas de influência, mantendo a integridade territorial do Estado sírio.

 

Já no Noroeste, particularmente na província de Idlib, será muito difícil a Damasco impor-se a mais de 40 mil homens fiéis a grupos rebeldes salafistas e jihadista.

 

Ofensivas contra redutos no vale do Eufrates, ou mais a leste em Deir al Zour, adjacente ao Iraque, ou, no Sul, em Deraa, na fronteira com a Jordânia, obrigam a uma mobilização de recursos em homens e poder de fogo que ultrapassam a capacidade do governo de Damasco e os interesses de aliados xiitas iranianos, libaneses e russos.

 

Tudo isto pouco afectaria a economia global, os mercados e os seus investidores desde que a guerra não alastrasse, mas porque Trump está na Casa Branca e Washington tem expostas tropas a ataques terroristas numa guerra civil em confronto com russos e iranianos a crise síria, suas mortandades e horrores, vai começar a mudar de figura.  

 

Jornalista

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