Opinião
No fio da navalha
A nomeação do antigo presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, para governador da região de Odessa, no sudoeste da Ucrânia, é um acto de aventureirismo político típico do clima inquinado que rodeia o conflito entre Kiev e Moscovo.
A decisão de Petro Poroshenko de afastar o governador Igor Palitsia, nomeado em Maio de 2014, surge na sequência da demissão em Março do milionário Igor Kolomiski da governação da região de Dnipropetrovsk, no centro do país, e visa consolidar a base de poder pessoal do presidente.
Poroshenko outorgou a nacionalidade ucraniana a Saakashvili, que renunciou à nacionalidade georgiana, e apontou como objectivos políticos ao governador a manutenção da ordem (e presumivelmente o apuro de responsabilidades pelos confrontos que provocaram 43 mortos em Janeiro de 2014 em Odessa), concretização de reformas e elevação do nível de vida.
O antigo presidente georgiano integrava desde Fevereiro um "Conselho Internacional Consultivo para Reformas" em Kiev e a nomeação para um cargo executivo na Ucrânia é novidade absoluta e com impacto bem diferente da escolha de pessoas de nacionalidade estrangeira, mas de ascendência ucraniana como, por exemplo, a ministra das Finanças, Natalie Jaresko, nascida em Chicago.
Um grande amigo
Um ano de serviço militar iniciado em 1989 nos arredores de Kiev, seguido de dois anos de estudo na Universidade Taras Shevchenko na capital, onde travou amizade com Poroshenko, são as credenciais de simpatia nacionalista de Saakashvili apresentado como "um grande amigo da Ucrânia".
Saakashvili, cuja extradição é exigida por Tbilisi por alegados crimes de abuso de poder, tem, entretanto, proferido afirmações contraditórias quanto às suas ambições políticas na Geórgia.
Presidente entre 2004 e 2013 cometeu o erro crasso de subestimar a intransigência e expansionismo russos, o irredentismo de etnias em confronto com o Estado georgiano, e o inconsequente apoio de George W. Bush à uma eventual adesão da Geórgia à NATO.
Ao encetar uma ofensiva militar contra a Ossétia do Sul, em secessão de Tbilisi desde 1992, deu pretexto ao ataque russo no Verão de 2008 que selou, ainda, a perda da Abkázia, apostada num separatismo a toda a prova a partir de 1993.
A inevitável derrota militar ditou a integração da Abkázia e Ossétia do Sul na conturbada área de domínio russo do Norte do Caúcaso e pôs cobro a veleidades de expansão da NATO.
O indesejado
O reformismo capitalista de Saakashvili sofreu ante a hostilidade intratável de Moscovo e só a chegada ao poder da coligação "Primavera Georgiana", liderada pelo milionário Bidzina Ivanishvili, permitiu uma abertura a tentativas de conciliação com Moscovo, enquanto instaurava inquéritos e promovia a purga de elementos da anterior administração.
Ivanishvili afastou-se da governação em 2013, mas é ainda um poder de facto, tal como Saakashvili na liderança do "Movimento de Unidade Nacional" na oposição, e na acrimónia que rodeia as eleições legislativas do próximo ano na Geórgia, o presidente Giorgi Margvelashvili não hesitou em classificar como "um insulto ao país" a renúncia do seu antecessor à nacionalidade georgiana.
Independentemente do que possa vir a conseguir Saakashvili numa cidade e região com mais de um milhão de habitantes divididos entre múltiplas identidades ucranianas e russas - fulcro da projecção comercial da Ucrânia no Mar Negro, perdidas as posições militares estratégicas da Crimeia anexadas por Moscovo - a sua posição de governador será, sobretudo, pretexto para exacerbação de conflitos.
O desatino
Na Geórgia, o actual primeiro-ministro, Irakli Gharibashvili, obrigado a apaziguar Moscovo, um dos principais parceiros comerciais, e impotente para reverter a perda da Ossétia do Sul e Abkázia, dificilmente apoiará eventuais iniciativas diplomáticas ucranianas.
O impasse político, diplomático e militar no Leste da Ucrânia arrisca, por outro lado, reacender hostilidades entre Kiev e milícias separatistas apoiadas por Moscovo.
O reconhecimento da anexação da Crimeia pelas potências ocidentais seria o ideal para Vladimir Putin, mas sendo impossível de conseguir, o líder russo aparenta continuar a apostar no apoio militar ao separatismo no Leste da Ucrânia como forma de pressão.
Este mês à União Europeia não resta alternativa senão renovar sanções à Rússia e pouco se pode esperar de bom dada a multiplicidade de protagonistas apostados em atitudes de confronto.
Putin ganhou trunfos para pressionar a Geórgia, Poroshenko está para ver o que possa ter conseguido e em Tbilisi o confronto partidário assumiu um cunho mais acrimonioso.
Jornalista