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Opinião
25 de Dezembro de 2013 às 23:00

2014: impasses e rupturas

A redução gradual do programa de compra de activos pela "Reserva Federal" e a crescente autosuficiência norte-americana em petróleo e gás natural vão contar-se entre as principais condicionantes das relações de forças internacionais em 2014.

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Mesmo que os Estados Unidos possam vir a beneficiar de juros de referência baixos, o abandono faseado dos estímulos económicos adoptados em Setembro de 2012 irá afectar negativamente países com moedas sobreavaliadas e em crise política como a Tailândia ou a Turquia onde Recip Erdogan entrou em conflito aberto com os islamistas fiéis a Fethullah Gulen.

O dinamismo que possa vir a revelar a maior economia do mundo não obstará à tendência de estabilidade ou queda dos preços de matérias-primas e de produtos alimentares (depois da alta no custo de alimentos registada em Agosto de 2012) tanto mais que o crescimento da China quedará na ordem dos 7%.

Brasil e Indonésia contam-se entre os países onde as expectativas geradas pelo crescimento da última década irão ser postas à prova em eleições presidenciais numa conjuntura económica desfavorável que joga contra Dilma Rousseff e a favor da candidatura do governador de Jacarta, Joko Widodo.

Ano do cavalo

No ano do cavalo, Xi Jinping terá de dar provas da viabilidade do recurso a mecanismos de mercado para criação de postos de trabalho e alocação de recursos numa economia onde predominam empresas estatais.

Da escassez de água à poluição atmosférica, passando pela desertificação e erosão dos solos, os indicadores ambientais revelam o esgotamento do modelo de desenvolvimento seguido desde os anos 80, mas

as iniciativas reformistas do partido comunista são por demais timoratas e intolerantes da divergência e oposição políticas.

O relaxamento muito limitado das restrições ao número de filhos por casal entre a maioria han em meios urbanos e dos planos de reforma do sistema de autorização de residência indiciam extremas dificuldades de adaptação das estruturas administrativas numa fase em que Pequim não pode dar por afastado o risco de estoiro do sector imobiliário, agravado pelo crédito malparado e a ameaça de insolvência de governos provinciais.

A "ascensão pacífica" da China continuará, entretanto, a atormentar as relações de Pequim com a Ásia Oriental e o Sudeste do continente.

O modo agressivo como a China faz valer as suas reivindicações territoriais face ao Japão, Coreia do Sul e no Mar do Sul da China aumenta a desconfiança regional, obriga Washington a reforçar garantias de segurança aos aliados, para assegurar, também, o status quo de Taiwan.

O Japão parece bem encaminhado para superar duas décadas de deflação, mas as reformas de Shinzo Abe dificilmente promoverão um crescimento económico capaz de contrabalançar a desaceleração chinesa.

Evitar um guerra provocada pela Coreia do Norte de Kim Jung Un é para 2014 o único ponto de convergência das potências regionais, incluindo a Rússia, com os Estados Unidos envolvidos.

Adiar ou não o confronto

Nawaz Sharif em Islamabade terá muitas dificuldades em acalmar a efervescência que a retirada norte-americana do Afeganistão irá provocar entre os pashtun e os grupos islamistas, enquanto novo golpe militar é possibilidade forte no Bangladesh.

A eleição geral na Índia será um teste à capacidade de conter as tensões étnicas e religiosas que a campanha de Narendra Modi, à frente do "Bharatiya Janata Party", não deixará de exasperar dado o declarado chauvinismo hindu do governador de Gujarate, sendo incerto se o "Partido do Congresso" conseguirá resistir ao embate e encontrar aliados no Sul, Leste e Nordeste do país para manter-se no governo.

É pouco crível que o compromisso de Teerão para suspensão da produção e enriquecimento de combustível para armas nucleares a troco do levantamento parcial de sanções produza condições para iniciar-se no Verão um processo de desmantelamento do programa militar do Irão.

Uma das grandes incógnitas de 2014 é, precisamente, saber se a administração Obama terá condições para levar Israel e as monarquias sunitas do Golfo a aceitarem a manutenção por tempo indeterminado um compromisso que não elimina a capacidade de militarização nuclear rápida do Irão.

A autosuficiência em petróleo e gás dos Estados Unidos é aqui tida como um factor negativo por parte dos estados árabes do Golfo.

Ainda que para Washington, tal como Pequim ou Tóquio, seja vital manter o fluxo de fornecimentos energéticos via Golfo Pérsico, os Estados Unidos, que já produzem 25 milhões de barris/dia, muito provavelmente chegarão a 2025 como exportadores líquidos de petróleo e gás natural, tal como o Canadá.

Esta crescente autosuficiência, que continuará a pressionar em baixa os investimentos em energias renováveis e poderá eliminar resistências à exploração de gás de xisto, gerará a prazo um desinvestimento político no Médio Oriente e essa expectativa é já factor essencial no cálculo das relações de força.

Confirme-se ou não tal dinâmica, certo é que a equivocada e incerta política externa de Obama, impotente ante os generais egípcios ou na mediação entre israelitas e palestinianos, se mostra meramente reactiva ante a guerra civil na Síria.

Depois de subestimarem a resiliência do regime de Bashar Assad, dos apoios russo e iraniano, e da convergência de interesses de alauítas e outras minorias – como os cristãos ou curdos – face a sunitas e a uma rebelião islamista de pendor salafista cada vez mais radical, turcos, norte-americanos, sauditas, franceses poucas alternativas têm para alterar o curso da guerra que deverá arrastar-se ao longo de 2014.

Se o Papa Francisco visitar a Terra Santa no próximo ano é inevitável que uma prédica de paz e respeito mútuo seja absolutamente ignorada numa região em que as preocupações de "aggiornamento" – menor intransigência doutrinal em questões de moral sexual, diminuição do poder da Cúria, maior participação dos leigos – cedem ante a realidade da hemorragia demográfica das comunidades cristãs.

Esperanças vãs

O melhor para Obama, que se despediu de um desalentador 2013 com uma taxa de aprovação de 41%, será jogar forte na frente internacional, a crer na sabedoria convencional da política de Washington quanto a presidentes na recta final de segundos mandatos.

As eleições de Novembro para o Congresso vão obrigá-lo a tentar negociar a aprovação de uma lei da imigração, afinar a reforma de saúde que arrancou pessimamente e poderá continuar a deixar de fora 40 milhões de americanos, ao mesmo tempo que terá de evitar que iniciativas legislativas possam bloquear nova ronda de negociações com o Irão.

Obama tem até ao Verão para tentar provar que a sua política no Médio Oriente tem alguma valia ou será destroçado no Congresso pela confluência de republicanos e democratas cépticos quanto a Teerão e atentos às advertências de Israel e da Arábia Saudita.

Do lado de Vladimir Putin nada pode esperar Obama, nem europeus, nem russos, por sinal.

Salvo o risco de destabilização por atentados terroristas e desde que o petróleo não caia abaixo dos 100 USD/barril, Putin não enfrenta oposição que capitalize uma economia sem dinamismo empresarial, dependente dos hidrocarbonetos e em que os estragos da corrupção e prepotência institucionais obstam a reformas de fundo.

A previsão de um crescimento de 2% em 2014 avançada pelo Banco Mundial poderá mostrar-se demasiado baixa, mas para a economia russa chegar aos 3% será preciso que o ênfase recaia no investimento em vez do consumo e será o clima político a definir essas prioridades.

Questões democráticas

É provável que a União firmada em 1707 seja preservada e a ameaça de secessão da Escócia se esvaneça no referendo de Setembro na Grã-Bretanha, tal como é possível que a coroa espanhola supere o desafio do separatismo catalão, mas certo e seguro é que a União Europeia muito terá de penar depois do choque que representarão as eleições de Maio para o Parlamento Europeu.

A alta soberanista e nacionalista, com forte voto de protesto em radicais de esquerda e direita e em movimentos anti-institucionais, é dada como adquirida e levantará, novamente, a questão da legitimidade política.

A união monetária sem contrapartida política, a perda de poderes da Comissão Europeia, a inexpressividade etérea do Parlamento-Caravana-Bruxelas-Estrasburgo, a tomada de decisões por entidades supranacionais à revelia dos parlamentos, os diferenciais de crescimento, rendimento e emprego entre estados e regiões, mostram há muito que a União Europeia não pode prosseguir num caminho dúbio.

O euro e as suas crises vieram, provavelmente, realçar as disfunções de um processo de união política, económica e financeira, com traços federalistas não-referendados agregados a formas tradicionais de associação e cooperação entre estados soberanos, conduzido de forma voluntarista e sem a devida legitimação democrática.

2014 vai ser um ano em que a questão democrática voltará à linha da frente nos debates europeus.

Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/

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