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27 de Novembro de 2013 às 00:01

O interregno

A forma como a economia iraniana consiga responder a levantamentos parciais das sanções é um dos factores essenciais para a próxima fase de negociações.

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Teerão aceitou suspender temporariamente a produção e enriquecimento de combustível para armas nucleares a troco do levantamento parcial de sanções de modo a afastar a ameaça de um ataque unilateral israelita com apoio norte-americano e ganhar tempo para gerir tensões políticas internas geradas pela degradação económica.

A maior parte das estimativas dos serviços de informações ocidentais e russos criara a expectativa de que no final de 2014 o Irão estaria em condições de testar a curto prazo (dois a três meses) um engenho nuclear e o Congresso de Washington preparava em consequência um novo pacote de sanções económicas e financeiras.

A eleição presidencial de Hassan Rouhani em Junho, com a promessa explícita de atenuar ou eliminar as sanções, evidenciara, por seu turno, a urgência sentida por importantes sectores das elites iranianas de medidas para relançar uma economia severamente atingida pelo bloqueio e a deplorável gestão de Mahmoud Ahmadinejad.

Ali Khamenei ao dar luz verde para o acordo de Genebra admite que terá sido salvaguardada no essencial a prerrogativa iraniana de obter combustível nuclear para fins pacíficos (a nível doutrinário o líder supremo é autor de éditos religiosos interditando a posse e uso de armas nucleares), legitimando assim as concessões do presidente Rouhani.

As limitações aceites quanto ao enriquecimento de urânio, a suspensão da construção do reactor de Arak, capaz de produzir plutónio, e as garantias para inspecções da "Agência Internacional de Energia Atómica", permitem a Teerão prolongar até para lá do próximo Verão negociações sobre o estatuto final do seu programa nuclear.

O desmantelamento a prazo das instalações e da capacidade de produção existente, sem contar com a massa crítica de conhecimentos e pessoal técnico-científico, dificilmente será conseguido pelas potências ocidentais, mas o "statu quo" serve os desígnios de Moscovo e Pequim.

A dinâmica das sanções

A forma como a economia iraniana consiga responder a levantamentos parciais das sanções é um dos factores essenciais para a próxima fase de negociações.

Sobre Teerão impendem sanções impostas pelos Estados Unidos desde a queda do Xá em 1979 e ampliadas a partir de 1995, além das decretadas pela ONU de 2006 em diante.

No ano passado, o alargamento das sanções comerciais adoptadas pela União Europeia, além do Japão ou Coreia do Sul, juntou-se às interdições financeiras crescentemente gravosas de Washington que bloquearam trocas comerciais, a actividade seguradora e o investimento.

Teerão foi praticamente irradiado do sistema legal internacional financeiro e bancário, as perdas de receitas nas vendas de petróleo rondam 30 a 50 mil milhões de dólares/ano, e o recurso a contrabando e troca directa (com a China designadamente) não impedem a degradação da capacidade produtiva e das condições de vida no país.

O levantamento "limitado, temporário e reversível" das sanções, independentemente do cômputo oficial da Casa Branca estimar apenas em cerca de 7 mil milhões de dólares as receitas adicionais para Teerão através do acesso a contas bancárias congeladas, tenderá a criar uma nova dinâmica comercial e de investimento que o Irão procurará maximizar.

O nevoeiro político

A dinâmica política que seis meses de interregno possam criar, sobretudo no Irão, partindo do princípio de que os termos do acordo serão respeitados abrindo caminho para nova ronda de conversações, é, por sua vez, muito nebulosa.

Obama não terá apoio para levantar sanções impostas pelo Congresso contra o

Banco Central de Teerão e dificilmente manterá margem negocial diplomática se a Câmara de Representantes e o Senado votarem resoluções impondo condições estritas para um acordo com o Irão sob ameaça de novas sanções contra o país e seus parceiros comerciais e financeiros.

Outros constrangimentos, como a constatação feita por Moscovo de que o acordo de Genebra retira a justificação para o desenvolvimento do programa de defesa anti-mísseis dos Estados Unidos na Europa, poderão ser mais facilmente ultrapassados pela Casa Branca, mas, alguns dos pressupostos políticos subjacentes ao compromisso com Teerão são particularmente duvidosos.

A guerra civil síria, a persistente instabilidade do Iraque, a nova ronda de combates que se seguirá à retirada norte-americana do Afeganistão em 2014 e a contestada tutela militar no Egipto são apenas alguns dos focos regionais de conflito em que as lógicas de diversas forças em confronto podem jogar contra uma trégua diplomática entre Washington e Teerão.

Os interesses feridos da Arábia Saudita e das monarquias do Golfo sob a ameaça permanente de Teerão e das desprezadas comunidades xiitas (minoritárias no caso de Riade e maioritárias no Bahrein), e a insegurança existencial de Israel ante um estado que clama pela sua destruição, conjuram-se contra o êxito de novas conversações sobre o estatuto final do programa nuclear iraniano.

O "statu quo" é incerto, o interregno a termo certo.

Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/


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