Opinião
A espera
A opinião pública norte-americana após duas guerras prolongadas e inconsequentes no Afeganistão e no Iraque não está motivada para uma intervenção militar no conflito sírio em que os riscos de escalada são patentes.
A irremediável falta de tacto político de David Cameron custou-lhe uma humilhação política sem paralelo na política externa britânica desde a crise do Suez em 1956, forçou Barack Obama a adiar um ataque à Síria, além de avivar a renitência em conceder cheques em branco para intervenções militares sem objectivos estratégicos claros e justificações legais e políticas capazes de reunirem o mais alargado possível consenso internacional.
Os 36 votos de deputados dissidentes conservadores e liberais foram suficientes para inviabilizar a participação de Londres numa acção militar contra Damasco e deixaram a claro que dificilmente o líder conservador conseguirá evitar outros desaires, designadamente uma vaga nacionalista num referendo sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia, se persistir em iludir-se sobre os méritos da sua retórica.
Ao ignorar o efeito negativo da falta de credibilidade das justificações para a invasão do Iraque em 2003 e das consequências imprevistas do derrube de Saddam Hussein, Cameron subestimou o peso de forças contrárias tal como sucedeu ao seu antecessor conservador Anthony Eden ao lançar-se na malfadada invasão do Egipto em aliança com Israel e a França a pretexto da nacionalização por Gamal Nasser do canal do Suez.
Ed Miliband veio limitar ainda mais as opções de Londres ao afirmar posteriormente à votação em Westminster que os trabalhistas só admitiriam rever a sua oposição a uma acção militar ante "uma mudança muito significativa" da situação na Síria, nomeadamente no caso de organizações terroristas como a Al Qaeda se apoderarem de grandes arsenais de armas químicas ou de se constatar uma ameaça à segurança nacional britânica.
Perdido o putativo apoio britânico, não contando sequer com a solidariedade da Polónia, a hipótese de envolvimento da NATO foi imediatamente descartada, quedando-se Obama apenas com o pouco entusiasmado apoio de trabalhistas e de conservadores australianos - prováveis vencedores da eleição do próximo sábado para o parlamento de Canberra -, de turcos apostados no derrube de al Assad e do socialista François Hollande.
Obama ao solicitar inopinadamene autorização ao Congresso para uma acção militar, processo implicando a morosa negociação de compromissos tanto mais que o debate orçamental está à porta ao aproximar-se o novo ano fiscal a 1 de Outubro, privilegiou a busca de uma legitimação política a nível interno.
A administração democrata ganhou, ainda, tempo até meados de Setembro para justificar terem-se esgotado as possibilidades de tentar convencer a Rússia a abandonar a aliança com o regime alauíta de Damasco e de conseguir alguma cobertura diplomática da Liga Árabe impossível de obter dada a oposição do Líbano e do Iraque a um ataque militar.
A retórica de defesa de direitos humanos, a condenação de um regime sanguinário, a exigência de punição pelo uso de armas químicas, obrigam, contudo, Obama a agir pela força ainda que de forma relutante.
A Casa Branca vai penar para conseguir ultrapassar a oposição de anti-intervencionistas liberais e ultraconservadores, além de ter de satisfazer parcialmente as exigências dos proponentes de fornecimento de armamento pesado a facções anti-al Assad não ligadas directamente a grupos jihadistas, e corre o risco de acabar com uma resolução excessivamente restritiva das opções militares.
O aspecto altamente positivo de submeter-se ao escrutínio do Congresso, ao contrário de outros presidentes que lançaram acções militares só requerendo autorização do Senado e da Câmara de Representantes ao aproximar-se o fim do prazo legal de 60 dias em que chefe de estado tem poderes exclusivos para manter tropas em combate no estrangeiro, não esconde a falta de definição estratégica da Casa Branca.
A opinião pública norte-americana após duas guerras prolongadas e inconsequentes no Afeganistão e no Iraque não está motivada para uma intervenção militar no conflito sírio em que os riscos de escalada são patentes.
Obama não apresentou até agora qualquer explicação sobre os objectivos que visa com uma operação pontual, de curta duração, limitada e sem envolvimento de forças militares no terreno que pode revelar-se tão inconsequente como os bombardeamentos de Ronald Reagan contra forças sírias e druzas e os ataques a unidades de defesa anti-aérea de Hafez al Assad em 1983 durante a guerra civil do Líbano.
A atitude do presidente face à guerra civil aparenta resumir-se ao desejo de obstar à dispersão entre forças terroristas de armas químicas, a evitar a abertura de novas frentes envolvendo Israel, a Jordânia e a Turquia e, sobretudo, em demonstrar a Teerão que uma eventual acção militar de Washington contra o programa militar nuclear do Irão não é ameaça vã.
Até agora Obama não conseguiu nada que se veja e, mais do que estadista prudente, passa antes por político inconsequente.
*Jornalista
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