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Uma recessão mundial

O problema essencial é o de tentar coordenar o tipo de obrigações contratuais que terão de ser suspensas no período da pandemia. E em simultâneo garantir que o provimento de bens e serviços essenciais, e os pagamentos a ele associados, continuam a fluir de forma normal.

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A pandemia do coronavírus criou uma disrupção económica e social à escala mundial. E já é óbvio que estamos numa recessão mundial e na maioria das economias do mundo. 

 

Confio na Direção Geral de Saúde (DGS) e na Organização Mundial de Saúde (WHO) para nos darem o melhor conselho e aos líderes dos Estados sobre o que devemos fazer em termos individuais e coletivos.

 

Os médicos e enfermeiros são, na nossa sociedade, quem tem maior experiência para lidar com situações de emergência horas e dias a fio. Uma competência pessoal que a maioria dos demais não possuímos.

 

Para os governos, bancos centrais, empresas, instituições, famílias e pessoas individuais a desorientação é normal e compreensível. Não vale a pena acrimónias e irritações.

 

O meu ponto de partida para refletir sobre a nossa situação atual é de que se trata de uma catástrofe natural: como um terramoto, umas cheias ou um grande incêndio. Estas outras catástrofes, porém, são relativamente rápidas e limitadas no tempo.

 

Uma catástrofe natural "normal" é diferente em duas dimensões importantes: é localizada numa região relativamente pequena e abate-se sobre a população de uma forma relativamente rápida.

 

Ser localizada permite mobilizar recursos de auxilio das regiões não afetadas. E ser rápida permite separar claramente a fase da destruição das fases de auxílio e de reconstrução.

 

A pandemia global é diferente nessas duas dimensões. Está em curso de forma gradual, mesmo lenta, e em todo o mundo em simultâneo. Ainda é muito cedo para reconstruir. E estamos ainda na fase de minorar os danos. Mas já estamos também na fase de auxílio a algumas pessoas e regiões.

 

A sua duração prolongada cria desafios enormes às autoridades económicas. Mesmo com a declaração do Estado de Emergência que limita parcialmente os mecanismos da iniciativa privada.

 

E é sobre estes que eu partilho as minhas reflexões até ao momento.

 

O estado de exceção durará provavelmente algumas semanas ou meses. O que cria nas famílias e nas empresas problemas práticos novos e inusitados. Que se podem simplificar para este texto em termos de problemas de tesouraria e problemas de produção.

 

No caso da tesouraria as empresas e as instituições deixam de ter a certeza se vão receber ou vender aquilo que habitualmente produzem. E do lado da produção as empresas deixam de ter a certeza se os seus recursos humanos e as suas cadeias de abastecimento continuarão a funcionar de forma regular.

 

As famílias terão de decidir se pagam a renda de casa ou o empréstimo ao banco, apenas para falar em dois elementos grandes da maioria dos orçamentos familiares. Mas o mesmo tipo de dilema se coloca às empresas e instituições de todas as dimensões. Que por isso podem perder a sua capacidade para produzir. Mesmo que estas produzam bens e serviços essenciais.

 

Poder-se-ia assumir que após a catástrofe da pandemia todos estes sistemas regressariam ao normal. Mas não se pode assumir que vão funcionar de forma normal durante o período em que a pandemia está em curso e os países adotam regimes de exceção.

 

Parece-me assim que vamos viver num regime prolongado, de semanas ou meses, em que o Estado será obrigado a ir modificando as regras de funcionamento da sociedade continuamente. Daria muito maior confiança à sociedade se essas medidas fossem semelhantes entre todos os países da União Europeia.

 

O problema não se resolve apenas com política orçamental ou política monetária. Embora estas possam vir a ter um papel fundamental. O problema essencial é o de tentar coordenar o tipo de obrigações contratuais que terão de ser suspensas no período da pandemia. E em simultâneo garantir que o provimento de bens e serviços essenciais, e os pagamentos a ele associados, continuam a fluir de forma normal.

 

As medidas económicas terão de ser também jurídicas desta vez. E o seu desenho será muitas vezes imperfeito. E mesmo injusto. Mas nesta situação o principal é manter em funcionamento os sistemas básicos de produção da nossa sociedade, bem como as empresas e as instituições construídas com um grande esforço ao longo de dezenas de anos.

 

Os pormenores das relações internacionais são muito importantes, também. As exportações das empresas portuguesas para os países da União Europeia devem continuar a fluir. Mas as empresas devem ser protegidas pelos demais Estados Europeus de que serão eventualmente pagas.

 

Só o Governo da Alemanha está em condições, com o seu Tesouro credível - relembro que a União Europeia não tem um Tesouro - de organizar este sistema temporário de garantias sobre a suspensão ou substituição de obrigações contratuais.

 

A articulação entre os Governos Europeus, Banco Central Europeu, e a banca, será essencial durante esta fase da pandemia. Sem esta articulação permanente há um risco real de colapso de muitas empresas e instituições.

 

A recessão à escala mundial já é um facto que não precisa de ser medido de forma mais ou menos precisa para sabermos que já está a acontecer. As autoridades económicas estão certamente conscientes de todos os riscos para que alerto neste meu texto. O risco não é apenas o da contração brutal da atividade económica, da subida do desemprego e da descida dos rendimentos das famílias. O risco é também do colapso de muitas empresas e instituições de todas as dimensões.

 

Assim as autoridades saibam ir gerindo a crise. De forma rápida e flexível. Mas coordenada e determinada também. Só elas o podem fazer.

 

Professor na Católica Lisbon School of Business & Economics, Universidade Católica Portuguesa

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