Opinião
Portugal dos Pequenitos
O contributo das grandes empresas portuguesas que bancaram a nossa salvação foi nada menos do que 8,45 milhões de euros, a que o Governo juntou apenas 1,55 milhões de euros, ou seja, 0,15 cêntimos de cada português. E quem lhes agradeceu? Até agora, só o próprio António Costa.
Falamos à exaustão nas vacinas que os nossos governantes conseguiram apartar para nós, em troca de um contributo de 10 milhões de euros, mas ainda não dei por ninguém a perguntar-se de onde é que veio o dinheiro. Por curiosidade fui tentar descobrir e encontrei a informação bem clara no portal do XXII Governo da República Portuguesa. E que informação. É que feitas as contas devíamos era estar a acender uma velinha às grandes empresas portuguesas que bancaram a nossa salvação. Sim, essas mesmas que constantemente são vilipendiadas nos jornais e nas conversas de café.
O seu contributo foi nada menos do que 8,45 milhões de euros, a que o Governo juntou apenas 1,55 milhões de euros, ou seja, 0,15 cêntimos de cada português. E quem lhes agradeceu? Até agora, só o próprio António Costa, honra lhe seja feita, numa discreta conferência de beneméritos a 4 de maio de 2020. A partir dai a coisa foi tida como nossa.
A mim parece-me mal. É linda a ideia bíblica de que a mão direita não deve saber o que faz a esquerda, sem esperar nada em troca, mas eu cá sou mais pela gratidão. O reconhecimento público das empresas que nos ajudaram neste momento tão difícil só nos ficava bem, sem cairmos na conversa mesquinha do costume — pressupondo que “a eles não custa nada”, ou que esconde interesses e esquemas —, que mais não é do que uma forma de mascararmos a nossa inação e egoísmo. Por isso, aqui fica a lista dos que pagaram 85% das nossas vacinas, pela ordem que consta no portal, onde pode também ver o valor com que cada um contribuiu:
Edp, Epal, Apifarma, Associação Nacional de Farmácias, Banco Santander Totta, BPI, CGD, Fundação Calouste Gulbenkian, Jerónimo Martins, Millenium-BCP, Sonae, Galp, Imamat Ismaili, Fundação Champalimaud, Mello Saúde, Luz Saúde, Lusíadas e, last but not least, a Fundação Manuel António da Mota. (https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/noticia?i=portugal-contribui-com-10-milhoes-de-euros-para-a-iniciativa-resposta-global-a-covid-19)
Infelizmente, uma vez recolhidos os fundos, os nossos líderes políticos arrumaram de novo os parceiros a um canto e temendo que a opinião pública não lhe perdoasse a inclusão das grandes empresas (estas e as outras) no pacote de medidas de apoio à retoma económica, privando-as de quase todos os apoios criados para ultrapassar esta crise.
Acreditem que, por muito que me esforce, não consigo perceber o preconceito contra as grandes empresas que são exatamente as que criam mais emprego, pagam mais impostos, dão melhores condições aos trabalhadores, as que mais inovam, são tecnologicamente mais avançadas, e pelos vistos, mais contribuem para as causas sociais. Fico com a impressão de que os empresários são tolerados se tiverem menos de 250 empregados, mas no dia em que o negócio começa a correr bem, tornam-se alvos a abater. O que não faz sentido porque, pensem lá comigo, a única razão pela qual uma empresa é pequena é porque não consegue ser maior — convenhamos que ninguém se autolimita por gosto ou convicção.
Embora não perceba nada destes assuntos, e toda a vida tenha preferido trabalhar por conta de outrem, a verdade é que me parecia bem mais lógico incentivar as empresas pequenas a tornarem-se grandes, e as grandes a tornarem-se maiores. Sob risco de continuarmos indefinidamente a ser um Portugal dos Pequenitos e, na próxima ronda de compra de vacinas — e haverá muitas —, não haver quem nos pague a conta.