Opinião
A novela americana
Trump ter-se-á cansado de alguém com quem não tinha a menor intimidade, que discordava abertamente de algumas das suas posições em temas internacionais e que, de forma clara, mantinha com ele alguma procurada distância.
Não se pode dizer que a demissão do chefe da diplomacia dos EUA, Rex Tillerson, tenha constituído uma grande surpresa. Escolhido por ser um nome forte da indústria e uma boa "ponte" para a Rússia de Putin, sabia-se que o antigo CEO da Exxon nunca havia criado com o Presidente Trump uma relação de confiança. Tillerson, que era hierarquicamente o primeiro dos membros do gabinete ministerial, constituía um peso demasiado independente para um Presidente que gosta de funcionar rodeado de "yes-men", que detesta quem ponha reticências ao simplismo das suas ideias e à espontaneidade irresponsável dos seus "tweets". Trump necessitou dele para credibilizar inicialmente a sua equipa, mas sente-se agora suficientemente à vontade para o dispensar.
Ao longo deste tumultuoso ano, várias foram as vezes em que transpiraram diferenças entre os dois homens. Trump ter-se-á cansado de alguém com quem não tinha a menor intimidade, que discordava abertamente de algumas das suas posições em temas internacionais e que, de forma clara, mantinha com ele alguma procurada distância. O facto de Tillerson nunca ter negado que chamou "imbecil" ao Presidente num contexto privado, também não deve ter ajudado...
Tillerson saiu, entra Mike Pompeo, até agora diretor da CIA e conhecido membro do Tea Party, ala radical dentro do Partido Republicano. Alguém que tem um historial de ideias confrontacionistas, que se afigura menos adequado a quem vai ter por missão dialogar pelo mundo em nome da América. Mas este é talvez o perfil que, nesta fase, Trump deseja ao seu lado.
Nos meios internacionais, estava criada, ao longo dos últimos meses, a convicção de que, à volta de Trump, independentemente da ciclotímica estrutura, dia a dia mutante, da Casa Branca, permaneciam quatro personalidades que funcionavam como uma espécie de "rede de segurança", compensatória da imprevisibilidade do Presidente. E o mundo respirava de alívio por assim ser.
Uma dessas figuras era claramente Tillerson, sendo as restantes militares: o secretário de Defesa, James Mattis, o chefe da Casa Civil, John Kelly, e o assessor para a Segurança Nacional, H. R. McMaster. Crescem agora rumores sobre uma possível saída de McMaster, cujos conselhos parece irritarem Trump, falando-se para o substituir do nome do "falcão" John Bolton, antigo e controverso embaixador na ONU, na era George W. Bush. E, no tocante a Kelly, diz-se haver um crescente desagrado por parte de Trump - em especial depois de aquele ter decidido retirar a acreditação de segurança ao seu genro. Só Mattis parece de pedra e cal, o que não deixará de ter a ver com o interesse de Trump de manter o melhor relacionamento possível com o setor militar - o único que ele parece respeitar, em particular se olharmos o que fez ao "State Department", ao FBI e à própria CIA.
Esta coreografia de caras teria muito escassa importância, e seria reduzida a uma curiosidade à escala americana, se dela não pudessem resultar consequências muito sérias para o mundo exterior. Há dossiês temáticos, como as "guerras" da política comercial ou a atitude face às alterações climáticas que impactam, de imediato, nos interesses dos amigos da América. Há temas vitais para a segurança global, como a articulação com a China ou o formato de relacionamento com a Rússia, bem como a forma de gerir a tensão com a Coreia do Norte ou a atitude perante o acordo nuclear com o Irão, que têm um potencial fortemente disruptor dos equilíbrios internacionais.
Neste último caso, que Trump deixou já a entender ter sido uma divergência profunda mantida com Tillerson, há que temer que os EUA possam estar prestes a pôr em causa o compromisso laboriosamente conseguido com Teerão, com o apoio dos seus parceiros europeus. Mais do que isso: Trump pode vir a dar, por essa via, luz verde a que Israel faça um "preemptive strike" sobre as instalações nucleares iranianas, hoje sob vigilância da AIEA e, conjugadamente ou não, estimule a Arábia Saudita para titular uma aventura militar sunita contra esse seu comum inimigo. Imagina-se o que poderá ser o "day after" desse conflito.
O mundo está perigoso e o perigo tem um nome.
Embaixador
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