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O adeus ao interior

Dão-se subsídios para o interior definhar com honradez, como o comércio tradicional. Neste encontram-se idosos longe de tudo e de todos, no meio de florestas queimadas.

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Em Setembro de 1901, o jornal Popular elucidava os seus leitores sobre um candidato a deputado dos "progressistas" de então: "Com o ilustre e ex-deputado Oliveira Matos sucedem coisas fantásticas. Sua Ex.ª, que era muito popular em Arganil, deixou de o ser de repente e aparece popularíssimo em Cabo Verde. Agora, querendo todos que fosse popular em Braga, verificou-se não ser tal, mas há-de sê-lo noutra parte." A situação mudou um bocadinho desde esses dias. Mas Portugal sempre foi um país cujo interior, o chamado país profundo, fez e desfez governos e regimes. Os chefes, desde que há um mínimo sinal de democracia, acantonaram-se no Terreiro do Paço, mas ficaram sempre reféns dos caciques locais e da longa teia de interesses que lhes garantiam um eterno comércio: favores por votos. Só que o país dos últimos anos tornou-se um deserto à volta dos principais centros urbanos. Tudo está em Lisboa e Porto e em mais meia dúzia de cidades. Qualquer Governo é cada vez menos refém dos votos do interior. Porque este emigrou, para o estrangeiro ou para as grandes cidades. Dão-se subsídios para o interior definhar com honradez, como o comércio tradicional. Neste encontram-se idosos longe de tudo e de todos, no meio de florestas queimadas. Sendo assim, escolas, estações dos CTT, telefones fixos, tribunais ou centros de saúde são caros e dispensáveis. O desaparecimento da velha província processou-se a um ritmo alucinante. O Estado é o Jack, o Estripador, do interior do nosso país.

 

Não espanta o relatório da Comissão Independente sobre os incêndios de Outubro de 2017. Está lá como Lisboa olha para o que não fica entre o Terreiro do Paço e S. Bento. O IPMA avisou de situações meteorológicas adversas, a Protecção Civil pediu meios, o Governo encolheu os ombros e assobiou para o ar. No guião burocrático, não podia haver incêndios muito graves depois da fase Charlie. O resultado foi o caos, a descoordenação, a resposta tardia e, claro, o resultado trágico verificado. Afinal era "lá longe". Há alguma admiração?

 

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