Opinião
Um pouco mais de empatia, se faz favor
Antes de reclamar das lágrimas dos outros talvez fosse atitude mais empática perceber porque elas são vertidas. Isso nem significa concordar com elas ou chorar igual. Mas não desdenhar do sofrimento dos outros é o primeiro passo para que não desdenhem do nosso.
Há quem pense que a empatia é um acessório de luxo, como uma carteira Louis Vuitton ou uma gravata Hermès. Não é.
Empatia é um bem de primeira necessidade. Empatia é o ar social, o tecido que mantém uma comunidade unida.
Empatia é se ver no outro, sofrer com o que o outro sofre, usar os seus sapatos. Até aí tudo bem. O problema começa quando os debates sociais passam pela empatia seletiva (um paradoxo em si mesmo: empatia que escolhe objeto é mesmo empatia? Ou não passa de narcisismo travestido de bondade?).
Pode não parecer, mas o tema tem tudo a ver com o objeto principal desses meus artigos sobre narrativas.
As histórias são moldadas para que tenhamos empatia com determinadas personagens, em geral, os heróis virtuosos. Vemos neles as qualidades que queremos para nós mesmos. Desejamos que eles sejam bem-sucedidos nas suas batalhas, que alcancem os seus desejos.
Também há os anti-heróis ou, se preferir, heróis com defeitos. Fazem coisas erradas, pensam de maneira torta, são feios ou com aleijões (físicos ou morais).
Mesmo assim gostamos deles. Somos empáticos porque identificamos falhas que poderiam ser nossas. No caso, acreditamos que eles, os anti-heróis, poderão se redimir, fazer o certo, salvar uma alma ou o mundo. O Dr. House era um bom exemplo disso.
As redes sociais e os algoritmos virtuais têm vindo a baralhar isso tudo. Já não precisamos buscar no outro, no diferente, motivos para empatia. A máquina resolve isso para nós antecipadamente. E ficamos a falar em circuito fechado, com quem concorda ou diz que concorda com o que dizemos ou como nos comportamos.
Esse mecanismo de identificação automática não pode ser confundido com empatia. Ao contrário, a sua existência é o que justifica os comentários atrozes que lemos por aí quando acontece alguma tragédia com algum cunho político.
O normal é chorarmos os nossos e sermos indiferentes aos mortos dos outros. Também questionamos o valor relativo de cada cadáver, negando conceitos simples como a da representatividade.
Derrubar as Torres Gémeas foi diferente do que derrubar outros prédios quaisquer noutras partes do mundo, justamente pelo que elas representavam.
A morte da Lady Diana (ainda mais naquele momento e naquelas condições) comoveu boa parte do mundo pelos múltiplos significados percebidos.
Antes de reclamar das lágrimas dos outros talvez fosse atitude mais empática perceber porque são vertidas. Isso nem significa concordar ou chorar igual. Mas não desdenhar do sofrimento alheio é o primeiro passo para que não desdenhem do nosso.
O assassinato de um agente político pode sim comover multidões e provocar empatia em pessoas até de outros países (como no caso recente da vereadora carioca Marielle Franco).
Nem a propósito, enviaram-me um texto muito antigo de Milan Kundera que, de certa maneira, aborda essa problemática tão contemporânea.
Escreveu Milan: "Há uma relação humana para a qual, em tcheco, existe a palavra 'soudruzstvi', a saber, 'a amizade dos camaradas'; a simpatia que une aqueles que sustentam a mesma luta política. Quando a devoção comum à causa desaparece, a razão da simpatia também desaparece.
O que mais me chocou nos grandes processos stalinistas foi a aprovação fria com que os homens de Estado comunistas aceitavam a condenação à morte de seus amigos.
Pois eles eram todos amigos, quero dizer com isso que eles se haviam conhecido intimamente, tinham vivido juntos momentos duros, emigração, perseguição, longa luta política. Como puderam sacrificar, e dessa maneira tão macabramente definitiva, suas amizades? Mas seria isso amizade?"
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Quero dois dedos de café, um bolo de milho e um pouco mais de empatia, se faz favor."
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico