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27 de Março de 2018 às 19:20

"O Mecanismo" 

Mesmo baseado na realidade, estamos diante de uma obra de ficção com a devida reconstrução da "verdade", segundo a ótica (ou óculos) dos seus criadores.

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Ter nascido no Brasil não me torna automaticamente especialista naquele país. Mas torna-me mais próximo do tema.

 

É uma das poucas coisas na vida em que tenho "lugar de fala", um estranho conceito (ao menos para mim) presente nos debates modernos, em que você só tem legitimidade para falar se pertence ao grupo de pessoas sobre o qual emana o assunto; ou seja, só mulheres podem falar sobre mulheres, só negros sobre negros, e assim por diante.

 

Deixa então eu colocar o meu passaporte brasileiro sobre a mesa para comentar a série "O Mecanismo", recém-estreada na plataforma Netflix.

 

Criada por José Padilha, o mesmo autor da saga "Tropa de Elite" e de "Narcos", "O Mecanismo" tem todas as qualidades e defeitos dos seus trabalhos anteriores. Padilha é coerente e tem uma ideia clara de cinema.

 

Interessa-lhe temas fortes, personagens bem desenhadas, tramas quentes, pulsantes, em que a tensão é constante, parece que há sempre uma bomba-relógio prestes a explodir.

 

Quem gostou de "Tropa de Elite" (por motivos cinematográficos e não políticos) vai gostar de "O Mecanismo". O inverso também é verdadeiro.

 

Mesmo baseado na realidade, estamos diante de uma obra de ficção com a devida reconstrução da "verdade", segundo a ótica (ou óculos) dos seus criadores.

 

Quem quiser ver um documentário sobre a Operação Lava Jato procure outro endereço. Padilha perde o facto, mas não perde o fio narrativo. Ele está comprometido em entreter a audiência e não em dar aula.

 

A série foi disponibilizada mundialmente no sábado passado e já está a provocar verdadeiras ondas de ódio entre muitos brasileiros (ou, se calhar, só de alguns mas que fazem bastante barulho; há abaixo-assinados contra a obra e uma tentativa de boicote à Netflix, reflexos sinistros de uma sociedade partida ao meio, com pulsões censórias tanto à direita como à esquerda).

 

Parece que os eleitores do PT não gostaram do país lá retratado, um Brasil corrupto e corruptor, onde ninguém é santo, onde nem mesmo o herói é flor que se cheire. Dói mais ainda saber que uma versão menos simpática de Lula e dos seus apaniguados está a ganhar uma divulgação planetária.

 

Percebo a mágoa e o choro é livre, mas o certo é que a série pega pesado com todos os quadrantes ideológicos.

 

Mais uma vez, "O Mecanismo" não é uma série do Canal História. Está mais para uma série da Netflix (aliás, pasmem, é o que ela é). Uma boa série, aliás.

 

Se é português, veja sem medo, vai-se divertir. Se é brasileiro, veja com sentido crítico, mas sem pé atrás.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, citando Aristóteles: "O impossível verosímil é preferível ao possível não acreditável."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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