Opinião
O apocalipse segundo a HBO
A beleza da série reside na capacidade em promover a empatia entre as personagens e a sua audiência. Ninguém ali é livre de imperfeições, nem totalmente mau.
O fim do mundo está próximo. Você já tem compromissos para o mês que vem?
É mais ou menos com essa naturalidade que as personagens da série "The Leftovers" se comportam ao terem de conviver com um dos maiores traumas já imaginados: num dia aparentemente normal, e sem nenhuma causa plausível, 2% da humanidade desapareceu.
Sumiu gente de várias nacionalidades, idades, alguns ricos, outros pobres, bebés ainda na barriga das mães, doentes em estado terminal. Os que restaram, os deixados para trás, precisam de reconstruir a vida. Fazem-no como podem.
A série está na sua terceira e última temporada (na TVSéries). Trata-se de um biscoito fino, uma "tour de force" entre elenco, guionistas, realizadores, cada um a dar tanta veracidade ao que fazem que quase nos esquecemos que aquilo não é de verdade, é pura ficção.
Falar sobre o fim do mundo não é novo, mas está na moda. Aliás, nunca saiu. Todas as gerações produzem livros, filmes, peças que interpretam o espírito da época mostrando com vivacidade a sua destruição.
Agora, são os "millennials", mas antes foi a Geração X (nem por acaso título de um romance de Douglas Coupland, que popularizou a terminologia). O apocalipse daquela geração baseava-se no desencanto com a sociedade de consumo e na ausência de crenças. No da geração de agora, o que há são crenças a mais. Cada um interpreta como pode o fenómeno do desaparecimento. Todos têm demasiadas certezas, são fanáticos nas escolhas, são violentos na implementação das suas seitas.
A palavra "apocalipse" traz na sua raiz a junção de dois termos: "apo" (tirado) e "kaluma" (véu). A ideia que quer passar (muita vezes esquecida) é a de "revelação". O "Livro do Apocalipse" na Bíblia remete justamente para isto: o momento em que Deus, cansado da incapacidade do homem, revela o mistério de todas as coisas.
"The Leftovers" encobre mais do que mostra. Mesmo agora nos seus momentos finais é difícil perceber onde tudo aquilo vai parar. Nem me parece que seja tão importante.
A beleza da série reside na capacidade em promover a empatia entre as personagens e a sua audiência. Ninguém ali é livre de imperfeições, nem totalmente mau. É gente como a gente. Deixados num mundo difícil de encaixar, abandonados pelos que eram (suspeitamos) melhores do que nós. Queremos de todas as maneiras chamar a atenção do Pai. Nem sempre nos portamos bem ao tentar fazer isso.
Ou como diria o meu tio Olavo: "O fim do mundo não é o fim do mundo."
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico