Opinião
Eu também vim da PQP
O texto, intitulado "Instantes" era atribuído ao grande escritor Jorge Luís Borges. E viralizava por vários países através do correio. Éramos "digitais" e não sabíamos.
Há 30 anos atrás, o ar era considerado limpo e o sexo era considerado sujo.
Essas coisas não eram verdades completas. Mas pareciam. Ou parecem agora vistas pela luneta do passado, filtradas na peneira das reminiscências.
Eu tinha 20 anos e acreditava.
O ponto final interrompe a frase pois o verbo "acreditar" quando conjugado na juventude não precisa de complementos. Quem é jovem deve sempre acreditar, para dúvidas estamos nós os velhos sempre a postos.
Foi na praia de Ipanema, num Domingo de Sol (admito, nas minhas memórias todos os Domingos eram soalheiros; uma pura efabulação). Um papel passava de mão em mão, até chegar a minha vez de o ler. Lá estava escrito assim:
"Se eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.
Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiénico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvetes e menos lentilhas, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários".
Era um texto de autoajuda (embora essa denominação ainda não tivesse sido popularizada). A prosa continuava:
"Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e profundamente cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria. Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente de ter bons momentos. Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos; não percam o agora".
O texto, intitulado "Instantes", era atribuído ao grande escritor Jorge Luís Borges. E viralizava por vários países através do correio. Éramos "digitais" e não sabíamos.
Só uns vinte anos depois, já com a internet a bombar é que descobri que "Instantes" não fora escrito por Borges e sim por um a senhora americana (a sua primeira publicação foi no Chicago Tribune; ninguém sabe como viajou para tão longe e passou a ser assinado por um argentino).
Lembrei-me dessa história ao ver o texto "O Segredo" (também conhecido como "Eu vim da Puta que Pariu"), assinado pelo jogador Daniel Alves, viralizar pelas redes sociais de Portugal e do Brasil.
Trata-se de uma peça muito bem escrita (pesquise no Google). Um exemplo perfeito do uso do storytelling como ferramenta para marketing pessoal. Fala das origens humildes de Daniel e de como ele se sente ao ter chegado tão longe.
É pouco provável que "O Segredo" tenha saído da pena do futebolista. Nem creio que isto seja importante. Como a paternidade de "Instantes" não explica o seu sucesso a nível planetário, quero lá saber de Daniel Alves é bom cronista.
"O Segredo" toca na alma de todos os que nasceram sem meios e que teimaram em não se conformar. Daí o seu êxito.
Aristóteles já dizia que um texto para ter impacto deveria possuir um apelo ético (ethos), ser capaz de provocar emoções (pathos) e ter uma lógica justificável (logos).
As pessoas querem ler (e partilhar) textos assim porque eles as fazem sentir bem ou, no mínimo, melhor do que estavam antes.
Quem pensa que um conteúdo viral tem que ter piadolas, gatinhos, imagens chocantes esquecem que, às vezes, basta afagar a autoestima do outro.
Ok, talvez isto não passe de um paliativo emocional, sem poder prático de transformar a vida de ninguém.
Mas quem sou eu para impor regras. Afinal, eu que nasci pobre, feio e ignorante também posso dizer vim lá da puta que pariu.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Há pessoas que para quem vieram do nada são muito fiéis às suas origens".
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico