Opinião
A mentira engarrafada
Até prova em contrário, o Jogo da Baleia Azul não passa de um disse-que-disse, uma cocriação coletiva, uma história descabelada com ares de verdade divulgada pela grande media e espalhada pela ventoinha da internet.
"Quem conta um conto aumenta um ponto", diz o povo na sua sabedoria. Nem é preciso ser escritor, dramaturgo, publicitário ou jornalista para saber que isso é verdade.
Mas a máxima anda ganhar novos significados. Quem aumenta um ponto, quem dá ares de verdade a um rumor, pode acabar por criar uma (falsa) notícia com consequências imprevisíveis.
O Jogo da Baleia Azul, por exemplo. O barulho é grande em volta da coisa. O problema é saber que coisa é esta. Até prova em contrário, o Jogo da Baleia Azul não passa de um disse-que-disse, uma cocriação coletiva, uma história descabelada com ares de verdade divulgada pela grande media e espalhada pela ventoinha da internet.
Se o jogo em si, apesar de crível, não é verídico, o fenómeno que ele alerta, o suicídio juvenil, é uma praga real (que de nova não tem nada, mas que não deixa de ser importante).
E é este o tema da série "13 Reasons Why", em cartaz desde 31 de Março na plataforma Netflix.
Um pouco por todo o mundo, onde estrou a série trouxe o debate sobre o suicídio entre jovens para o ordem do dia. Em Portugal, se calhar porque coincidiu com o lançamento dos rumores sobre a Baleia Azul, a série tem uma presença invisível nos meios de referência e entre os adultos.
Merecia melhor sorte. A série é boa e tem um claro poder pedagógico (bom para os fãs, terrível para os seus detratores).
Em treze episódios, acompanhamos a via crucis adolescente de Hanna. Logo nos primeiros minutos descobrimos que ela se matou. Mas antes gravou um conjunto de fitas que contam a sua história.
São treze as razões que Hanna aponta para a sua morte, quase o mesmo número de pessoas envolvidas. A narrativa, por estranho que pareça, tem muitos momentos de humor e de poesia, num ritmo policial, queremos descobrir quem é o verdadeiro responsável pelo tresloucado ato de Hanna.
"13 Reasons Why" é mais do que um seriado de TV que não passa na TV. "13 Reasons" enquadra-se naquilo que pode ser chamado de nova publicidade social.
É um panfleto electrónico, uma peça de propaganda criada para "vender" a mensagem que a sua produtora (a cantora Selena Gomez) pretende passar.
Saindo de um depressão profunda, Selena quis que o mundo percebesse o que sentia e pagou para isso. A coisa não chega a ser um defeito, estou só a constatar.
Na publicidade tradicional ainda se discute se o anúncio vai ter menos ou mais do que 30 segundos. Enquanto isto, as novas gerações assistem a eficientes peças publicitárias de 13 horas de duração. É uma competição desigual.
Recomendo vivamente que assista a "13 Reasons Why". Se tem filhos, ao lado deles. Se não tem, ao menos, para perceber o que pode fazer para que a Baleia Azul nunca deixe de ser apenas uma história sem pé nem cabeça.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "O boato é uma mentira bem destilada. Inebria como o whisky. O boato é a mentira engarrafada".
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico