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20 de Fevereiro de 2018 às 20:25

A alegria de ser pessimista

É preciso puxar pela memória mas, lembra-se?, antes do Instagram nem todos os pores do Sol eram bonitos, como antes do Facebook nem todos os dias despertávamos de bom humor.

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Estamos enterrados até ao pescoço numa narrativa de faz de conta onde é suposto que sejamos felizes só porque sim. Trata-se de uma infantilização da vida. Tudo o que for doloroso, trabalhoso, inseguro, está errado. Só queremos saber do que pode dar certo, não temos tempo a perder.

 

Daí que assistir ao último stand-up comedy do Chris Rock, recém-lançado no Netflix, acaba por ser um salutar remédio amargo.

 

Boa parte do humor do show baseia-se em constatações politicamente incorretas e/ou ataques ao chamado pensamento positivo.

 

O próprio título do espetáculo, "Tamborine", refere-se a uma brutal verdade: se trabalhamos numa orquestra e o nosso instrumento é um mero tamborim, temos de o tocar com muita energia e um sorriso nos lábios. Ninguém vai querer pagar para ver um "tamborinista" triste. Se acha o seu instrumento pequeno e irrelevante, o problema é seu. Foi isso que Deus lhe deu. Faça bom proveito dele.

 

Chris também nos recorda que a vida costuma ser dura para quem, contra todas as hipóteses, acaba por alcançar o sucesso. Veja o que ele diz em relação aos "bullies":

 

"We need bullies. How the f*** you gonna have a school without bullies? Bullies do half the work. Teachers do one half, bullies do the whole other half. And that's the half you're gonna use if you're a f***ing grownup. Who gives a f*** if you can code if you cry because your boss doesn't say 'Hi'? You think people were nice to Bill Gates in high school? "Hey, Gates, you Charlie Brown-looking motherf***er!"

 

Antes que se ofenda com as afirmações, vamos lembrar que a ironia e o sarcasmo são ferramentas típicas do humor. Chris Rock não é antropólogo nem cientista social, é apenas um palhaço raivoso, dê um desconto.

 

Noutro momento ele goza com o facto de sempre que um polícia americano mata um negro a corporação afirma que o assassino é apenas uma "maçã podre" no cesto. Como assim?, espanta-se Chris. Não será "maçã podre" uma definição um pouco imprecisa para referir um assassino?

 

Já agora, não há profissões em que não é de todo possível admitir "maçãs podres"? Ele lembra que a American Airlines não pode usar como justificação para um despenhamento de um avião que o piloto da nave era apenas uma "maçã podre" que não gostava de aterrar.

 

Recomendo vivamente que veja "Tamborine" como uma purga a todos os TED que assistiu ao longo dos tempos cujas temáticas fossem sucesso e liderança. Aqui não há lugar para exemplos edificantes. Chris Rock está zangado. Ele e nós temos lá os nossos motivos para isto.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, citando Millôr Fernandes: "É melhor ser pessimista do que otimista. O pessimista fica feliz quando acerta e quando erra."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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