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27 de Novembro de 2019 às 19:05

O Congresso dos Gestores

Há uma tese, cada vez mais generalizada, de que se continuarmos com salários baixos, não investimos em automação e ficaremos de fora da digitalização. São os salários mais altos que obrigarão as empresas a investir em capital produtivo e humano.

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Assistimos no nosso 3.º Congresso de Gestores, realizado na Culturgest no passado dia 19, à velocidade a que a ruptura digital e tecnológica está a acontecer.

 

Para nós portugueses é a oportunidade de entrarmos a tempo nesta 4.ª Revolução Industrial, já que nas anteriores estivemos distantes e atrasados. Esta não falharemos.

 

Nós os gestores, e o FAE - Fórum de Administradores e Gestores de Empresas como seu representante, estamos na linha da frente da mudança necessária, porque é nas empresas, nos diferentes aspectos da gestão, que essa batalha será travada e ganha.

 

No congresso tivemos uma visão da empresa que se está a construir para o futuro, a empresa biónica. Uma empresa que projectará tecnologia e a organização humana em conjunto, para realizar operações de transformação, experiências e relacionamentos com os clientes e novas ofertas e negócios.

 

A construção e gestão destes processos exigirá uma forma fundamentalmente nova de trabalhar. Esses processos serão mais rapidamente construídos e inovados por equipas capacitadas compostas por habilidades multidisciplinares que abrangem a função, dados, tecnologia e design.

 

Como os processos biónicos exigem maior padronização e novas formas de trabalhar, surge uma estrutura de organização de "plataforma". Os processos biónicos já não são de propriedade, total ou de todo, como anteriormente. Em vez disso são construídos e gerenciados por equipas ágeis que têm níveis claros de serviço e missões de negócios. Suportando juntos a linha da frente, equipas de operações e clientes. 

 

Porque a digitalização não se trata de máquinas substituindo humanos. Trata-se do poder em que os seres humanos e a tecnologia trabalham juntos - uns Com os outros - em novas formas de ligação que criam inovação e oportunidades

 

Com as tecnologias cognitivas, podemos tornar essa vantagem exponencial, baseando-se em dados para ajudá-lo a executar decisões com maior confiança e velocidade. O Com far-nos-á mais fortes. Essa é uma visão de esperança, queiramos e consigamos nós adaptarmo-nos.

 

Captar e conseguir manter os talentos será a chave para o sucesso e para a incorporação tecnológica e digital nas empresas. E será a forma como se gere o processo de mudança organizacional e gestão de talentos que vai definir quem sobrevive a esta revolução.

 

Porque a tecnologia será universal e acessível a todas as empresas com mais ou menos poder financeiro. É nas pessoas, na posse dos talentos que as empresas se poderão diferenciar. E é nessa disputa que estaremos todos envolvidos a satisfazer o mais possível as aspirações dos trabalhadores, treinando-os, formando-os, com o essencial apoio das universidades e aliciando-os com boas condições para se manterem. Quem assim não fizer, ficará para trás. Algoritmos e tecnologia sem talento são "commodities" indiferenciadas e facilmente ultrapassadas.

 

Por essa razão o FAE, assumindo a sua posição como representante dos gestores, encontra na discussão sobre o salário mínimo um tema do passado e do presente, mas não do futuro. Mesmo assim, não seria difícil para nós assumir a defesa dum salário mínimo de 850 euros por mês em 2023, por exemplo, se isso em contrapartida trouxesse mais flexibilidade laboral. 

 

Flexibilidade para defender os trabalhadores, com melhores salários, opções e condições de trabalho, mas não os seus postos de trabalho. A função de operário está a desaparecer, mas os operários de hoje serão os operadores tecnológicos do amanhã.

 

E assumirmos a possibilidade de correspondermos aos seus anseios. Sabemos que as novas gerações valorizam bastante o lazer. Porque não haveremos de ter e propor a possibilidade de semanas de 30 horas, se alguns tal o pretenderem? E assim ter um salário mínimo horário em vez de mensal? Ou poder ter 12 salários em vez de 14?

 

No futuro incerto de rupturas tecnológicas, a segurança de emprego será sempre um objectivo a atingir para os seus trabalhadores, dos quais nós os gestores fazemos parte. Mas o futuro da empresa e dos seus trabalhadores será testado com muita frequência e quem não for flexível terá menos hipóteses, de vencer e reter e remunerar os seus talentos.

 

Claro que salários mais altos têm de ser acompanhados por aumentos de produtividade. No entanto, como referia um estudo recente do European Political Strategy Center, um think tank da Comissão Europeia: "No longo prazo, a disponibilidade de baixos salários desincentiva acções de melhoria de produtividade, colocando as empresas e as economias em risco de se deixarem ultrapassar pelos seus concorrentes que entretanto investiram no seu capital humano, mas também melhorando o seu equipamento e processos."

 

Há uma tese, cada vez mais generalizada, de que se continuarmos com salários baixos, não investimos em automação e ficaremos de fora da digitalização. São os salários mais altos que obrigarão as empresas a investir em capital produtivo e humano. Com isso, as empresas terão mais produtividade que lhes permitirão pagar melhores salários. Ou seja, recuperar a ideia do choque tecnológico, com mais inovação e risco, na flexibilidade já aqui falada, deixando cair as más empresas para que as boas, inovadoras, possam triunfar, por mérito e porque cuidam melhor dos seus trabalhadores e talentos. E sobretudo aproveitar para reconfigurar, formar e melhorar a qualidade da gestão em Portugal. Ou seja, uma revolução que, como todas, terá o seu custo, mas sem 25 de Abril não teríamos evoluído.

 

O futuro digital, inevitável, trará imensos desafios, nomeadamente em termos humanos e de desigualdade. Será necessário repensar o capitalismo para o salvar, conforme referido no brilhante livro "Saving Capitalism" de Robert Reich.

 

A empresa encontra-se assim dividida, entre a necessidade imperiosa de ser produtiva e competitiva e o seu lugar integrado na sociedade, com responsabilidade e consciência sociais, combatendo as desigualdades provocadas pela digitalização, globalização e competências.

 

O FAE, como representante dos gestores portugueses, deseja um país mais justo, moderno e mais rico, com melhores salários e condições de trabalho para todos. Apanhar o comboio da digitalização significa recusar um país de baixos salários e de inflexibilidades. Aceitaremos esse desafio do futuro?


Presidente do FAE

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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