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04 de Março de 2014 às 18:30

Fiscalidade Verde: "esverdear" o consenso político, para "esverdear" a economia

O recente anúncio da Reforma Fiscal Verde, muito mais do que anunciar uma reforma fiscal, é anunciar a criação de um importante instrumento para a construção de um novo modelo de crescimento.

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A reforma fiscal verde, ainda que conectada com as reformas fiscais em curso, deve estar além da reforma do IRC e do IRS, na medida em que, ao seu impacto no nível da captação e fixação de investimento, acresce o seu impacto na própria tipologia de investimento. Através dela as externalidades negativas da economia dão lugar a oportunidades e novos sectores. 


Na verdade, implementar o princípio do poluído pagador na tributação permite uma deslocação da carga fiscal das "coisas boas" – o capital e o trabalho – para as "coisas más" – a poluição. Quem polui paga, quem polui repara, quem polui compensa. No fundo, penaliza-se o consumo e a produção poluente e compensa-se a sociedade pela existência dessa poluição. O que permite gerar receita e, com isso, reduzir a carga fiscal sobre o trabalho, sem comprometer o sempre desejado crescimento económico, criam-se novas necessidades, novas oportunidades…

No entanto, onerar consumos e produção poluentes, para ser justo, terá de ter sempre uma dupla justificação, desencorajar comportamentos com impactos negativos e afectar as verbas recebidas à "requalificação" ambiental. De outro modo estaremos a penalizar a poluição sem compensar a sociedade pela existência desse consumo e/ou produção. É, precisamente, esta dupla justificação, a razão da sua qualificação e fundamentação legal e o segredo do seu sucesso. Tomemos como exemplo a Noruega e a Dinamarca.

Em 1991, a Noruega criou o imposto sobre o carbono, incidindo-o sobre as emissões dos combustíveis fósseis e sobre a actividade do sector petrolífero, englobando a totalidade das suas receitas no orçamento. A criação isolada deste imposto aumentou a receita fiscal, mas não foi suficiente para travar o aumento das emissões.

Em 1992, a Dinamarca passou a cobrar um imposto sobre o carbono, sobre os combustíveis fósseis, num quadro de neutralidade de custos, na medida em que desceu o imposto já existente. Além disso, inseriu esta medida numa reforma fiscal mais global e no respeito da dupla justificação exigida na tributação verde, não englobando as receitas geradas por este imposto no orçamento geral do Estado, mas alocando 40% da sua receita à "subsidiação ambiental". A economia dinamarquesa cresceu 6% entre 2000 e 2009; as emissões reduziram, na indústria 23% e, ao nível, per capita 15%, entre 1990 e 2005; a subsidiação das energias renováveis, a partir das receitas do imposto criou um novo sector económico que, não só aproveitou a mão-de-obra dos sectores em crise, como a transformou numa produtora de 38% do equipamento do mercado mundial de energia eólica.

Para um país como Portugal, rico em recursos naturais, esta reforma deve assumir protagonismo no novo modelo de crescimento, na certeza de que, como todas as medidas estruturais, tem de estar além dos ciclos políticos. Para isso, há que esverdear o consenso político para esverdear a economia…

Advogada Coordenadora no Departamento de Ambiente/Público da SRS Advogados

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