Opinião
Bem-vindo sejas, interesse relevante
Sempre tive imensa dificuldade em compreender porque é que Portugal e Angola não estreitam mais a sua colaboração no domínio económico e social.
Só consigo justificar essa "desprogramação" com a ausência de interesse relevante, uma vez que não existirá esquecimento em matéria de relações internacionais. Pensemos no actual período, cristalizado com a visita a Portugal do Presidente João Lourenço. Confirma-se que os dois países podem usufruir reciprocamente de ganhos muito significativos que atravessem gerações. É tempo de identificarem complementaridades, haver mais programação e menos improviso.
Desde logo, porque a predisposição e a curva de aprendizagem das empresas e profissionais portugueses em relação a Angola é em geral mais reduzida. Compará-la à de outros países pode ser um exercício interessante, lógico até, mas que adere muito pouco à realidade. Por sua vez, entendo que Angola faz bem em procurar relançar pontes com Portugal.
Por isso, foi com grande satisfação que assisti a altos representantes de Angola assumirem uma posição de expresso acolhimento, não apenas de eventual investimento ou reforço da participação de empresas portuguesas que estão em Angola, mas também da participação de quadros portugueses em diversas áreas, desde logo, na educação, saúde e agricultura. Reciprocamente, vi do lado de Portugal a vontade de arrumar de vez a tentação de olhar de forma paternalista para Angola, especialmente do ponto de vista político.
Nas últimas décadas, Portugal mudou o seu eixo económico vital para a Europa. Quando a crise chegou foi sobretudo a Europa que nos acolheu. Embora Angola tenha desempenhado um papel fundamental, como espaço de alternativa para profissionais e empresas, espaço de alargamento, e até de esperança. Já Angola diversificou nesse período os parceiros económicos, embora pouco ou nada o tenha feito com a sua economia.
Chegados a 2018, os dois países vivenciam ciclos opostos aos de 2010-2014. Mas parece que desta vez há vontade generalizada de fazer diferente, mesmo que à custa de mais tempo e, no imediato, com resultados menos espectaculares.
Desde logo, sente-se estar a terminar o "ciúme" de Portugal em relação a outros parceiros europeus estratégicos de Angola, como a Alemanha, França e Espanha. Convenhamos, Portugal não é insubstituível, mas é inegável que tem características insubstituíveis. Estive em Berlim em Agosto deste ano no Fórum Angola-Alemanha. É certo que não tem uma Siemens, mas tem inúmeras pequenas e médias empresas muito funcionais e adaptáveis ao mercado angolano e, já agora, necessárias. Por outro lado, não é provável vermos empresas angolanas a tomarem participações relevantes em empresas relevantes de sectores importantes na Alemanha. Simplesmente não acontece.
Portugal e Angola devem continuar a estreitar as relações económicas e ponderar seriamente em que medida podem funcionar como hub num e noutro sentido. Há várias multinacionais que colocam Portugal a funcionar como um centro intermédio de ligação a mercados como Angola - ainda que a África do Sul seja muitas vezes uma opção mais óbvia, em especial para grandes empresas que não têm origem europeia.
Mas, e apesar de as cerca de 4 horas de voo entre estes países significarem uma menor distância física, tal não tem comparação com uma língua comum, nem com os laços pessoais e familiares intergeracionais, a cultura ou com a capacidade de compreensão mútua que é generalizada e beneficia as empresas. Assumamos a realidade como ela é. Corrija-se o que está menos bem, mas não se ignore ou, pior ainda, não se desperdice o que de bom existe.
Sócio PLMJ, coordenador da Angola Desk