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A tragédia das estratégias corporativas

Nenhuma empresa tem um futuro garantido. Somente aqueles com um processo robusto de formulação e execução da estratégia serão capazes de se adaptar mais cedo e mais rápido a este mundo em mudança acelerada.

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Poucos gestores discordariam da afirmação: o planeamento estratégico é um dos processos-chave em qualquer empresa. Contudo, a realidade aponta para dados surpreendentes: três em cada dez vezes, o insucesso das empresas é causado por uma má definição estratégica. Em mais de sete em cada dez vezes, as organizações não são capazes de implementar com sucesso a estratégia que definem.

 

Para definir e executar uma estratégia é, em primeiro lugar, necessário estabelecer objetivos desafiantes, refletir sobre como cada desafio pode ser alcançado e determinar métricas que traduzam com assertividade quanto destes objetivos já materializámos.

 

O sucesso de uma implementação estratégica passa ainda pela capacidade de saber integrar, envolver e motivar os colaboradores, delinear timings, ter sensibilidade para humanizar a mudança e saber vender o sonho de concretizar o que hoje parece ser impossível fazer. Tudo isto depende do processo que escolhemos para formular e implementar a estratégia da nossa organização.

 

Na fase de formulação há três "pecados" muito comuns: 1) elencar demasiadas iniciativas; 2) definir prioridades estratégicas com poucos (ou nenhuns) dados, baseadas em crenças ou modas de gestão; 3) pensar nas iniciativas estratégicas como "novos projetos" e não como processos que a organização precisa criar, desenvolver ou melhorar.

 

Quando 1) se almejam demasiados objetivos, em regra, concretiza-se um pouco de cada; quando 2) se definem iniciativas insuficientemente quantificadas, fica-se refém de uma avaliação meramente qualitativa (de perceção) e não se consegue avaliar a efetividade; quando 3) se encara uma iniciativa estratégica como um projeto e não como um processo (novo ou a melhorar), que deveria ficar interiorizado na empresa com os seus colaboradores a executá-lo em velocidade cruzeiro, a melhoria não é sustentável e acabará por perder-se.

 

Mas de que forma se evitam estes "pecados"? O primeiro paradigma que é preciso adotar passa por ter clara a distinção entre Gestão Diária e Gestão de Breakthroughs – os momentos de "salto", de grande avanço, verdadeiros responsáveis por um crescimento significativo do negócio.

 

A implementação de um Breakthrough exige à empresa que leve a cabo projetos disruptivos, que conduzem a organização a "dar saltos" na forma de executar e, consequentemente, na performance alcançada. Por outro lado, esses resultados só são sustentados se for implementado um programa de melhoria diário, que converta a nova forma de fazer em trabalho normalizado. Isto é, a Gestão Diária passa a adotar estes novos standards como parte integrante do seu processo de trabalho. A sustentabilidade a longo prazo é garantida por tornar essas novas formas de trabalhar nos hábitos das pessoas, através do treino e acompanhamento sistemáticos e frequentes.

 

Ou seja, a organização tem de saber trabalhar no curto e no médio prazo, desenvolvendo simultaneamente a competência de identificar as iniciativas que transformarão a forma como produz valor e o entrega aos clientes. Porém, é também necessário seguir uma metodologia para encontrar essas ideias. Todos na organização, a começar pelos líderes, precisam partilhar delas e acreditarem que estas farão a diferença, no futuro.

 

Tomemos como exemplo a seguinte história, verídica: no início da década de 1950, ainda no rescaldo da guerra, o Japão era um dos países que mais necessitavam de apostar em políticas de crescimento económico. Naquela altura, grande parte da população vivia em Tóquio e Osaca ou nos territórios entre estas duas cidades, que estavam ligadas por 500 Km de via-férrea. Todos os dias, dezenas de milhares de pessoas viajavam entre estas duas cidades, assim como enormes quantidades de mercadorias. O problema é que este trajeto podia demorar até 20 horas, em virtude da topografia muito montanhosa do Japão e das condicionantes da linha férrea. Foi neste contexto que, em 1955, o Diretor Geral da empresa de caminhos de ferro decidiu lançar um desafio aos melhores engenheiros japoneses: construir um comboio mais rápido.

 

Seis meses mais tarde, foi apresentado um primeiro protótipo para um comboio capaz de circular a 100 Km/hora, velocidade essa que o colocava entre os mais rápidos do mundo. Mas algo de insólito aconteceu nessa reunião. "Não chega", disse o Diretor Geral. "Não é desta forma que vamos contribuir para o esforço de desenvolvimento económico do nosso país. Precisamos de um comboio capaz de circular a 200 Km/hora!" Os engenheiros explicaram que a pretensão não era realista, que, a tais velocidades, quando o comboio descreve uma curva mais apertada, a força centrífuga o fará descarrilar. 110 quilómetros era mais realista… talvez cento e vinte.

 

"Mas porque é que os comboios precisam de curvar? – Perguntou o Diretor. Este Diretor Geral refutou sistematicamente as objeções dos engenheiros, resoluto a fazer com que todos acreditassem que este objetivo seria um Breakthroughs para a sua organização.

 

Decorrente desta atitude, ao longo dos dois anos seguintes, os engenheiros entregaram-se a novos desafios e conceberam carruagens dotadas de motores independentes; reconfiguram rodados com menor atrito; discerniram que as novas carruagens eram demasiado pesadas para as linhas atuais e, portanto, reforçaram as linhas, o que resultou em acréscimo de estabilidade e, consequentemente, no aumento do limite de velocidade. Cada um destes projetos foi, por si, contribuindo para tornar os comboios mais velozes.

 

Até que, em 1964, o novíssimo comboio rápido Tokaido Shinkansen partiu de Tóquio para percorrer uma linha, agora contínua, e atravessou túneis que furavam montanhas, completando a viagem inaugural em três horas e cinquenta e oito minutos, a uma velocidade média de 200 Km/hora.

 

Esta é uma ótima lição sobre a necessidade de as organizações estabelecerem objetivos breakthroughs, metas ambiciosas que nem mesmo os gestores conseguem definir, desde logo, como serão atingidas.

 

No mundo volátil em que vivemos, e perante a maior recessão económica que o mundo já viveu desde a Segunda Guerra Mundial, seguida de uma crise que os especialistas estimam que seja duas vezes pior do que a crise financeira global de 2009, nenhuma empresa tem um futuro garantido. Somente aqueles com um processo robusto de formulação e execução da estratégia serão capazes de se adaptar mais cedo e mais rápido a este mundo em mudança acelerada.

 

Senior Partner e Managing Director do Kaizen Institute Western Europe

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