Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
16 de Abril de 2020 às 19:54

Grande quarentena

Progressivamente e na medida em que os dados sobre infetados com covid-19 estabilizavam, a evolução dos índices bolsistas, dados do emprego e decisões das autoridades monetárias passaram a congregar maior interesse.

  • ...

Esta semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou as suas projeções de primavera. O impacto na atividade económica da pandemia associada à covid-19 é avassalador, fazendo empalidecer a Grande Depressão da 2009. Prevê-se uma quebra do produto mundial de 6,1% em 2020 seguida de uma recuperação de 4,5% em 2021. Tão relevante como analisar as projeções divulgadas e comparar com anteriores recessões é verificar o anormalmente elevado grau de incerteza associado. Ainda mais que habitualmente, a verificação de cenários mais ou menos benignos radica nas próximas decisões das autoridades.

Trilhando caminhos inexplorados, os agentes económicos buscam pistas de leitura das tendências: o FMI enquadrou as suas previsões para 2020 na crise de 2009; vários grupos de investidores procuram referências em crises sanitárias anteriores (peste negra no século XIV ou gripe espanhola de 1918-20), os mercados financeiros têm sofregamente seguido a divulgação de indicadores de alta frequência para aferir a severidade da crise e tendências futuras. Numa primeira fase dominada por forte redução de posições de risco e preferência por liquidez, a divulgação dos números de infetados nas economias desenvolvidas atraía todas as atenções. Progressivamente e na medida em que os dados sobre infetados com covid-19 estabilizavam, a evolução dos índices bolsistas, dados do emprego e decisões das autoridades monetárias passaram a congregar maior interesse. Presentemente, aguarda-se atentamente a publicação de números relativos a: produção industrial, sentimento dos consumidores, vendas a retalho, medidas de estímulo económico decretadas pelas autoridades – sinal de gradual normalização. Progressivamente, a crise económica parece sobrepor-se à crise sanitária/humana.

Sobre tendências, muito embora a atual excecionalidade económica e social tenha promovido um salto em frente na digitalização da sociedade e economia, evidenciou algumas limitações. As empresas poderiam estar preparadas para teletrabalho, mas não para o predomínio da modalidade. O retalho online não dispunha do suporte logístico indispensável para responder ao acréscimo de solicitações. Trabalho remoto ou soluções digitais em atividades criativas, em processos de aprendizagem e integração, ou em operações com elevado grau de criticidade ou risco produzem resultados subótimos. A agricultura e a indústria encontram-se predominantemente fora da esfera digital, carecendo de livre circulação de pessoas e bens para funcionar. A escassez de mão de obra experimentada pelo setor agrícola europeu na época de colheitas, que se avizinha, e a quebra das cadeias de abastecimento de componentes industriais evidenciam alguns constrangimentos do fecho de fronteiras e quarentena generalizada na Europa. Após a reabertura das fronteiras, como se garantirá o transporte seguro de pessoas e o bom acolhimento por outras comunidades? “Redeslocalização”?

 

Prevê-se uma quebra do produto mundial de 6,1% em 2020 seguida de uma recuperação de 4,5% em 2021.



O levantamento gradual da situação de emergência exige a verificação de várias condições: a evolução do número de infetados deve apresentar sinais de declínio (ou pelo menos estabilidade em níveis geríveis pelas estruturas de saúde); as unidades de saúde deverão revelar capacidade suficiente para responder às necessidades do fluxo de infetados até ao aparecimento de terapêuticas ou vacinas eficazes, assegurando-se proteção dos grupos de risco; e, massificação de testes (de infeção e imunidade) e capacidade de rastreamento e imposição de quarentena seletiva. Assegurando estes requisitos, a confiança da população com o regresso progressivo à normalidade da atividade económica e o risco de retrocesso na contenção do contágio favorecerão a transição de quarentena generalizada para reabertura da economia.

Nos próximos meses, tão ou mais saliente que medidas de proteção do emprego e sobrevivência de empresas viáveis, disponibilização de instrumentos de acesso a liquidez, ou garantia de financiamento em boas condições pelos Estados, as autoridades têm de decidir o modelo de transição para a normalidade, cujo sucesso depende do grau de confiança da população na gestão da vertente sanitária e beneficia de coordenação ao nível europeu. Para formação desta decisão releva identificar o grau de conforto da população com a normalização da atividade – nessa monitorização, pode ser interessante acompanhar a atenção dedicada pela comunicação social e redes sociais à covid-19 e aguardar pelo ponto de inflexão.

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio