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Novo Banco: a resolução não é uma festa

No final, o Novo Banco pode ser despachado por quase zero, deixando o Fundo de Resolução a dever a quase totalidade dos 3,9 mil milhões de euros ao Estado.

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Quando daqui a dias o Fundo de Resolução apresentar o nome de um comprador ao Ministério das Finanças, Mário Centeno e António Costa serão confrontados com uma má opção: um preço de venda tão baixo que expõe os contribuintes que emprestaram 3,9 mil milhões de euros, riscos de litigância que sobram para a esfera pública e um comprador estrangeiro com características muito longe do ideal. Em resumo: um mau desfecho para a resolução do BES.

 

O que estão a dar pelo banco é muito baixo e até esse valor baixo pode depender de várias contingências. No final, o Novo Banco pode ser despachado por quase zero, deixando o Fundo de Resolução a dever a quase totalidade dos 3,9 mil milhões de euros ao Estado. Ouvimos do Governo, o anterior e o actual, que o Fundo pagará ao longo de 20 anos o dinheiro aos contribuintes. Mas duas décadas é muito tempo - o suficiente para rever condições em detrimento dos prejudicados do costume. (Veja-se, por exemplo, como os investidores estrangeiros na banca em Portugal já tentam blindar-se contra eventuais contribuições extraordinárias dos bancos para o sobreendividado Fundo.) 

 

Este risco podia existir num contexto de bons compradores. Mas o que temos é uma corrida final entre um fundo de Hong Kong e um fundo "abutre" norte-americano. O primeiro, o China Minsheng Financial, é detido na maioria por outro fundo que nasceu apenas em Maio de 2014, quase ao mesmo tempo que o banco que quer comprar. Os chineses procuram integrar investimentos empresariais com negócios financeiros - o tipo de mistura que o governador do Banco de Portugal e o relatório da comissão parlamentar sobre o BES lamentaram após o colapso do conglomerado Espírito Santo. Vêm de um país complexo, com um sector financeiro volátil e uma cultura opaca. 

 

O outro comprador na recta final, a Lone Star, é uma poderosa instituição que nunca perde dinheiro para os seus clientes, conhecida pela agressividade a gerir aquilo que compra para vender passado pouco tempo. Na Alemanha, noticia a Forbes, a empresa de Dallas executou tantos devedores de empréstimos à habitação que ficou conhecida como "o carrasco do Texas". Na Coreia do Sul chamam-lhe "come e foge". A Lone Star tipicamente faz boa parte do lucro na compra. O "seguro" contra a desvalorização excessiva de oito mil milhões de euros em activos no balanço do Novo Banco é exemplo desta posição - e uma das coisas que põem os americanos em desvantagem face aos chineses. A outra é a política. É difícil ver António Costa, líder de um Governo minoritário com apoio da esquerda dura, entregar um banco a este tipo de comprador.

 

O Novo Banco e a Caixa ilustram a fractura entre um PS mais orientado para o mercado e a esquerda que o apoia, adepta do controlo público da banca. À luz desta tensão e das propostas pelo Novo Banco percebe-se a prudência com que Costa falou do assunto na semana passada na RTP. Adiar a venda parece, no entanto, pouco provável tendo em conta a mensagem do Governo ao longo do ano: vender, vender, vender.

 

A ideia é evitar mais apoios públicos ao banco, culpar o anterior governo pelo mau resultado da resolução e "estabilizar" o sector - tornar o Novo Banco num "assunto encerrado", como costuma dizer o primeiro-ministro sobre assuntos desagradáveis. Como é provável que não fique "encerrado" para os contribuintes, vai ser importante perceber os erros cometidos no momento da resolução e na gestão posterior do dossiê. Uma resolução não é uma festa, poderia ter dito o camarada Mao - mas tinha o resultado de ser tão mau?

 

Jornalista da revista SÁBADO

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