Opinião
Breve cronologia do desespero no SNS
As notícias dos últimos anos contradizem o ministro Adalberto Campos Fernandes, que esta semana classificou de "pontuais" as demissões de directores de serviço em Faro. Não são pontuais. São um reflexo, mais um, dos problemas de subfinanciamento e de organização que têm vindo a acumular-se há anos – e a minar o Serviço Nacional de Saúde.
Notícia de 28 de Fevereiro de 2018: "Os directores dos três serviços de Medicina Interna do Hospital de Faro estão demissionários devido à falta de resposta para a sobrelotação de doentes e à alegada pressão para altas precoces."
9 de Janeiro de 2018: "Depois de Faro e Guimarães, enfermeiros de Leiria denunciam falta de condições na urgência. Administração reconhece que edifícios e pessoal 'não esticam', mas que situação é de emergência."
8 de Junho de 2017: "A direcção clínica e os directores de serviço do Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) decidiram demitir-se em protesto contra as dificuldades na contratação de profissionais."
22 de Novembro de 2017: "Director de Neurocirurgia do Centro Hospitalar de São João, Rui Vaz, demite-se por ter serviço há 10 anos em pré-fabricado. Diz ter chegado ao limite da segurança e da dignidade."
8 de Junho de 2017: "Falta de 98 médicos leva a demissão de directores de serviço.
A direcção clínica e os directores de serviço do Hospital Amadora-Sintra demitiram-se em protesto contra as dificuldades de contratação."
23 de Janeiro de 2017: "Ministro da Saúde tenta travar demissões 'irrevogáveis' no Centro Hospitalar do Algarve (…). Os médicos dizem-se 'derrotados' pelo cansaço de tanto esperar por reforços humanos e financeiros. O investimento de 19 milhões para quatro anos, enfatizam, 'pouco mais dá do que para não fechar a porta'."
16 de Maio de 2016: "Demissões em massa no Hospital de Santarém. A RTP avança que os médicos e enfermeiros denunciam que as salas do bloco da unidade de Santarém, que serve mais de 250 mil habitantes, não oferecem condições mínimas de segurança."
6 de Maio de 2016: "No espaço de poucos dias dois directores de serviço, de Ortopedia e Neurocirurgia, 'bateram com a porta'. O Centro [Hospitalar do Algarve] está a enviar muitos doentes para o privado de modo a serem operados."
8 de Março de 2016: "Director do serviço de Oncologia do Barreiro demite-se por falta de condições."
17 de Fevereiro de 2015: "Demissão em bloco no Hospital Amadora-Sintra. O hospital Amadora-Sintra vai ter um novo director clínico após a demissão de 28 dos 33 directores de serviço. Os directores de serviço demissionários [alegam] 'degradação das condições de trabalho' e 'do serviço prestado aos utentes'."
27 de Janeiro de 2015: "Garcia de Orta: médicos mantêm decisão de se demitirem."
19 de Junho de 2014: "58 directores demitem-se em bloco no Hospital de São João. 'O hospital vive numa situação limite e a direcção não quer ser responsabilizada por não prestar serviços de saúde de qualidade aos seus doentes', salienta fonte da unidade hospitalar."
Por falta de espaço não incluí tudo o que encontrei sobre demissões e denúncias de médicos e de enfermeiros nos últimos quatro anos (as que foram noticiadas). Algumas demissões acabaram por não se concretizar porque o seu anúncio levou à libertação de dinheiro para tapar buracos. Mas, lidos em conjunto, estes títulos e excertos de notícias contradizem o ministro Adalberto Campos Fernandes, que esta semana classificou de "pontuais" as demissões em Faro. Não são pontuais. São um reflexo, mais um, dos problemas de subfinanciamento e organização que têm vindo a acumular-se há anos e a minar o Serviço Nacional de Saúde. Esta área é a que melhor ilustra a relevância do tantas vezes ignorado conceito de custo de oportunidade (canalizar dinheiro para o IVA da restauração é desviá-lo da Saúde, por exemplo) - e a que melhor demonstra, num país em trajectória de envelhecimento, que os problemas nas finanças públicas estão longe de ter sido ultrapassados.
Jornalista da revista Sábado