Opinião
As viúvas-alegres de Tsipras
A entrevista do primeiro-ministro grego ao The Guardian sela a falência da "alternativa" à austeridade, mas quem espere que as viúvas portuguesas do Syriza façam algum tipo de exame ao que andaram a defender está muito enganado.
Escolher entre os slogans políticos do Alexis Tsipras pré-poder não é fácil dada a riqueza do espólio. Arrisco este, vendido num comício em 2014, um ano antes de ser eleito primeiro-ministro: "Vão-se embora, Senhora Merkel, Senhor Schäuble, senhoras e senhores da nomenclatura da Europa!" Agora, ouçamos o Tsipras de 2017, em entrevista ao The Guardian na véspera de um teste da Grécia no mercado de dívida: "Tapas o nariz e tomas [o remédio]… Sabes que não há outro caminho… porque tentaste o resto para sobreviver." A metáfora do remédio e a falta de alternativa: a retórica clássica da austeridade condensada numa resposta.
Ao selar a capitulação incondicional daquele que há apenas dois anos era o herói europeu do movimento anti-austeridade, a entrevista a Tsipras confirma outra coisa: a falência da tese da "alternativa" à austeridade e às regras europeias num país do euro sem acesso a financiamento normal. Esta é uma lição importante para Portugal, onde essa "alternativa" foi promovida com vigor no espaço público durante os anos da troika por gente de todas as proveniências, sobretudo políticos e analistas à esquerda: a dura e a do PS.
A suposta alternativa é um logro intelectual. Ignora a liberdade muito limitada de um país sem crédito público. Ignora o contexto político e social no Norte da Europa. Reproduz um cenário, maniqueísta e infantil, em que há uma saída má e outra boa. A "alternativa" não era a crítica às escolhas do Governo de Passos, ao desenho do memorando e à política europeia - era a "estratégia de colisão", a possibilidade do "fim da austeridade".
O ensaio dessa "alternativa" teve consequências desastrosas para a Grécia. Tsipras acabou a aceitar condições mais duras do que aquelas que os gregos rejeitaram no referendo em que foram instrumentalizados. Quando diz agora ao The Guardian que "o pior já passou", Tsipras esconde que o país já começava a ver a luz ao fundo do túnel quando ele chegou ao poder em 2015. Para os gregos, a "colisão" custou mais austeridade, mais desemprego e mais tempo no buraco. Não é uma interpretação: é um facto.
Quem pensa que as viúvas do Syriza fizeram algum tipo de exame ao que andaram a defender está muito enganado. Há algumas viúvas tristes, na esquerda dura anti-euro, que acusam Tsipras de falta de coragem para romper com a moeda única, não explicando como isso se faria contra a vontade dos gregos. A maior parte, contudo, são viúvas-alegres. Hoje estão no poder ou próximas do poder. Tsipras, que outrora louvaram, não lhes merece comentário público. Apesar de aceitarem o engavetamento da reestruturação da dívida e a superação de metas de défice acordadas com Bruxelas, em público continuam a defender a posição falida de que austeridade passada era sobretudo uma opção.
Como interpretar? Uns não perceberam na altura o que aconteceu a Portugal em 2011 e continuam sem perceber. Outros, muitos, agem em função do poder: se estar longe dá para prometer tudo, exercer traz responsabilidade. É certamente melhor para a Grécia que Tsipras se tenha transformado - como é bom para Portugal que o PS e os partidos à sua esquerda reconheçam agora a importância da consolidação orçamental e do cumprimento dos compromissos europeus. Mas atenção: elevar acriticamente estes números de transformismo a "talento político" é tanto um reflexo de falência intelectual como a defesa repetida, contra todas as evidências, de uma alternativa inviável e perigosa.
Jornalista da revista Sábado