Opinião
Se o noivo é de Caneças, a noiva é da Malveira
A tendência global de empobrecimento progressivo da programação e dos "shares" não se alterará. Será, se acontecer, a chamada vitória de Pirro. Obtida a alto preço, mas com prejuízos a prazo difíceis de mensurar.
A transferência milionária de Cristina Ferreira para a SIC fez-me recordar Beatriz Costa e uma das canções do filme "Aldeia da Roupa Branca". A letra dizia mais ou menos o seguinte: "Toma lá, dá cá/Quem não tem não dá/Quem estala a capa do canejo/Quem não deu não dá /Quem já deu dará/Não sejas tola/Dá-me um beijo."
Nada me move contra Cristina Ferreira bem pelo contrário. Reconheço-lhe enorme mérito na sua evolução profissional e elogio a capacidade em manter níveis de popularidade elevados durante tantos anos de exposição mediática diária. Nem tão-pouco me atrevo a prever as consequências que esta decisão da estação televisiva terá, quer no plano financeiro quer na instabilidade, que certamente irá criar junto dos restantes colaboradores. Isso é naturalmente um problema de quem tomou a decisão. Estamos na esfera de uma decisão empresarial privada onde o risco e o prémio estarão sempre presentes.
Pergunto-me, no entanto, se esta aposta não cheira a desespero. As televisões generalistas têm vindo a registar ao longo dos últimos anos perdas muito significativas de audiência. É uma tendência mundial e que não se deverá inverter. Consequência inevitável, embora não simultânea, é a redução das receitas publicitárias que alimentam esta atividade. Numa primeira fase assistimos a um enorme aperto dos custos de exploração e a uma deterioração muito significativa dos padrões de qualidade da programação. Apenas como exemplo temos hoje largas horas de emissão que parecem servir apenas para justificar o negócio das chamadas de valor acrescentado. Um horror, digo eu.
A entrada de Cristina Ferreira na SIC destina-se prioritariamente a combater a TVI enquanto estação líder de audiências. E ultrapassá-la. Com as mesmas armas que têm sido utilizadas até aqui. Isto significa que a tendência global de empobrecimento progressivo da programação e dos "shares" não se alterará. Será, se acontecer, a chamada vitória de Pirro. Obtida a alto preço, mas com prejuízos a prazo difíceis de mensurar.
Desconfio da aposta e estou convencido de que é o setor que ficará a perder. Diria, em tom leve e recorrendo à analogia da canção, que Carnaxide virou Caneças. E como Beatriz Costa poderemos cantar: se o noivo é de Caneças/E a noiva é da Malveira/Já podem pedir meças/À saloiada inteira/Mas se não for com essas/Vá lá doutra maneira. O futuro dirá se haverá outra maneira. Espero que sim.
Jurista
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico