Opinião
À procura de um Homem providencial
Independentemente da cor política, do temperamento, da idade, as populações gostam de ser conduzidas por quem sabe decidir, por quem está atento, por quem demonstra autoridade.
Vivemos um tempo em que as lideranças estão em crise. Não é fácil encontrar um estadista ou alguém que seja uma referência enquanto chefe de Estado ou de governo. Para falar apenas da última metade do século XX, gente como Margaret Thatcher, Helmut Kohl, François Mitterrand ou mesmo Jacques Delors não abunda nos dias de hoje. O mais aproximado que temos, opinião que é tanto mais unânime quanto mais perto está o fim da sua vida política, é Angela Merkel. E mesmo assim nunca atingiu o grau de reconhecimento dos primeiros, ainda que isso fosse fácil tal a fragilidade dos seus pares nos restantes países europeus.
Em Portugal, depois da Revolução de Abril, passou a ser politicamente inconveniente abordar o tema. Sempre que alguém se lembrava de reclamar a necessidade de existência de uma liderança forte, lá se desenterrava o fantasma do regresso à “longa noite fascista” e se rotulavam os que nisto falavam de serem saudosistas de Salazar. Como se a uma nação não fizesse falta ver nascer lideranças fortes, carismáticas e motivadoras. A verdade é que quem conhece bem o país sabe que boa parte do eleitorado não só não rejeita o aparecimento destas figuras como tantas vezes as idolatra. Os exemplos a nível local são disso bem demonstrativos. Independentemente da cor política, do temperamento, da idade, as populações gostam de ser conduzidas por quem sabe decidir, por quem está atento, por quem demonstra autoridade.
Já ao nível nacional tem sido mais difícil encontrar este tipo de personagens. Ainda assim tivemos dois primeiros-ministros que ultrapassaram em popularidade os demais e que por essa razão chegaram, ou ficaram lá muito perto, da maioria absoluta de um só partido o que é algo muito difícil de atingir no nosso sistema eleitoral. Refiro-me a Cavaco Silva e a José Sócrates. Não estou com isto a comparar um e outro. São completamente diferentes. Devo dizer aliás que não estimo o primeiro e não respeito o segundo. Mas a verdade é que foram líderes que, cada um a seu jeito e no seu tempo, transmitiram a sensação de que o poder estava exclusivamente nas suas mãos e que era a sua decisão, e apenas esta, que contava. Esta circunstância fê-los alargar substancialmente a sua base de apoio e, como é sabido, ambos conseguiram captar eleitorado de todas as áreas do espectro partidário português.
Quanto maior é o descrédito da classe política em geral, mais este sentimento de orfandade é visível. “É preciso alguém que ponha ordem nesta pouca-vergonha”, é uma frase que com facilidade escutamos em qualquer café deste país. Não é um problema de esquerda nem de direita. É uma necessidade que decorre apenas da falta de esperança em que os desmandos, a incompetência, o compadrio, a corrupção e o desperdício de dinheiros públicos se resolvam pelas vias normais em democracia. Até porque, como também se ouve muito, “eles são todos iguais, só querem é tacho”.
Não é por isso inocente que nesta campanha presidencial, tenha aparecido alguém a propor a mudança do sistema constitucional e manifestado a opção pelo presidencialismo. Tal como referiu André Ventura no debate com o atual Presidente Marcelo, “o povo quer é escolher um homem”. Ele sabe que, como em tantas outras frases que atira, este é um desejo de muitos eleitores sejam eles de direita, de centro ou de esquerda ou de muitos abstencionistas militantes. Acabar com a pouca-vergonha e ter no poder alguém que tome conta disto é a vontade de muita gente. Gente que ou não tem voz suficientemente forte para se fazer ouvir ou se desencantou quando ensaiou ter uma participação cívica mais ativa através de estruturas partidárias caducas e controladas por caciques. Marcelo Rebelo de Sousa rapidamente avisou que em Portugal o presidencialismo conduziu sempre ao autoritarismo e à ditadura. Tem razão. Mas para muitos, no estado a que isto chegou, isso agora não interessa nada.
Jurista