Foto em cima: Da esquerda para a direita. Luís Barreto Xavier, Eurico Reis, Agostinho Pereira de Miranda, João Mota de Campos, Paula Lourenço e Agostinho Homem. Maria José Morgado, outra das participantes neste grupo, esteve ausente na segunda sessão de reflexão, ocasião em que se fez o registo fotográfico na iniciativa.
Grupo de Reflexão Justiça
"Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo"
Albert Camus
A "vox populi" está cheia de verdades feitas como "existe uma justiça para os pobres e outra para os ricos" ou "a justiça é lenta". Juízos generalizados que penalizam todos os agentes do setor e a própria respeitabilidade do chamado Estado de Direito.
Esta ideia é comungada pelo grupo de reflexão sobre a Justiça, dinamizado pelo Negócios no âmbito do projeto editorial "O Poder de Fazer Acontecer", e que tem como mentor o advogado Agostinho Pereira de Miranda.
Este grupo de reflexão, que realizou dois debates, Agostinho Pereira de Miranda, fundador da Propública, ONG portuguesa dedicada ao direito do interesse público, juntou Maria José Morgado, procuradora-geral Adjunta jubilada, Eurico Reis, antigo juiz desembargador, Luís Barreto Xavier, professor universitário, Agostinho Homem, ex-vice-procurador-geral da República, João Luís Mota de Campos, advogado e ex-secretário de Estado da Justiça, e Paula Lourenço, advogada e ex-presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
Paula Lourenço estabeleceu uma premissa que é transversal à análise dos diversos poderes, sendo que o judicial se inclui nela. "O que faz com que a palavra poder tenha uma conotação negativa é a falta de transparência. O acesso aos autos é muito difícil e o que se passa no processo penal é verdadeiramente chocante". "O poder tem uma função social e quando não é exercido assim deixa de ser digno", avisa Agostinho Homem.
No debate público é frequente clamar por reformas em setores sensíveis para a sociedade como a educação, a saúde e, claro está, a justiça. O grupo de reflexão tem perspetivas diferentes sobre este tema. Agostinho Pereira de Miranda sustenta ser necessária uma revolução na justiça" ou, no mínimo, "uma transformação muito profunda". Por sua vez, Maria João Morgado "não defende reformas permanentes nem megalómanas" preferindo antes "diagnósticos práticos".
Maria José Morgado relaciona a falta de confiança na justiça com os problemas existentes na justiça que concernem com a sua eficácia na prevenção e combate à criminalidade financeira, bem como na deteção precoce, julgamento e condenação em tempo útil deste tipo de criminalidade. "Este é o grande desafio do Ministério Público e é a grande razão da falta de confiança na justiça", sublinha.
Paula Lourenço comunga deste ponto de vista. Não acredita que os problemas se resolvem alterando circularmente as Leis e a Constituição, pois tais mudanças são projetos políticos e não verdadeiras alterações ao "status quo" da justiça.
Já João Mota de Campos entende que é necessário comparar Portugal com outros países europeus, pois os problemas são transversais, E dá como exemplo os processos cíveis, nos quais existe incapacidade dos tribunais para lidar com casos mais complexos - os juízes não estão capacitados para decidir casos mais complexos, não obstante a criação de tribunais especializados.
João Mota de Campos aponta para duas reformas. Entende que se deveria acabar com os tribunais administrativos e estes serem integrados na justiça comum. Admite que isso levantaria problemas complexos, mas as reformas têm de ser cuidadosamente pensadas em função das necessidades específicas e digeridas previamente antes de serem propostas. E diz também que é preciso resolver os problemas inerentes aos tribunais fiscais, onde existe uma violação diária e permanente dos direitos dos cidadãos.
Os problemas com o Fisco e a Segurança Social são transversais a milhares de pessoas: hoje é mais difícil consultar um processo por causa da desmaterialização, afirma Paulo Lourenço, salientando que existem processos com mais de 10 anos: sabemos que há equipas que tentam resolver este problema, mas a melhoria não é significativa - é preciso acelerar, mas com qualidade.
As equipas de recuperação fiscal recebem volumes dos processos, fazem o "draft" da sentença e os juízes fazem de "corpo presente", sendo que há situações em que os juízes nem colocam nas sentenças a prova que é feita na audiência - dezenas de decisões nulas por falta de consideração da prova na sentença, anota Paula Castanho.
No entendimento de Maria José Morgado é necessário combater os megaprocessos e a morosidade que os mesmos originam e que a prevenção funcione. A este propósito lembra que foram criados organismos para este efeito. diagnóstico da corrupção, definição de fatores que corrupção.
Eurico Reis resume assim o desafio: "se os tribunais não estiverem a funcionar beneficiamos o infrator". Ou, de forma mais elaborada, "se as coisas estão a funcionar mal é porque estão a funcionar bem para alguém, para os sociologicamente poderosos". Um dado estatístico relevante a incluir nesta equação é fornecido por João Mota de Campos: 60% das pendências existentes em Portugal estão na comarca de Lisboa. "Na prática administrativa há atrasos escandalosos, nota Agostinho Homem.
Para Luís Barreto Xavier a palavra-chave é complexidade, a começar pelo processo e passando pela linguagem da lei comungada por académicos, advogados e juízes. "Isto tem repercussões no cidadão que não sabe os seus direitos, como exercer os seus direitos, como funciona a justiça". No seu entendimento e reforma da justiça deve começar pelo ensino do Direito que definiu em 12 pressupostos e dos quais aqui se destacam três: 1) Abandono de uma visão enciclopédica e informativa do plano curricular, em favor de uma conceção centrada na cultura jurídica fundamental; 2) Abandono do paradigma da "sebenta" ou manual em favor de um sistema de "syllabi", assente em uma pluralidade de materiais de estudo, incluindo decisões judiciais, pressuposto do sucesso de aulas verdadeiramente dialogadas; 3) Reformulação global da formação ministrada no Centro de Estudos Judiciais.
Uma reforma da justiça a começar pelo ensino é respaldada por Agostinho Homem: "um país, enquanto não tiver um bom sistema de educação, não tem nada".
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Cinco pilares de intervenção sintetizados
por Agostinho Pereira de Miranda
1. SIMPLIFICAÇÃO: a complexidade das leis e dos mecanismos judiciários para a sua aplicação prática torna muito difícil atingir níveis de eficiência ou de eficácia mínimos nos nossos tribunais. 2. TRANSPARÊNCIA: com exceção dos profissionais da área, ninguém consegue entender o funcionamento do sistema que é a um tempo opaco, corporativo e arcaico. 3. CELERIDADE: a maior fonte de descredibilização do sistema e de ofensa dos direitos dos cidadãos é a demora no funcionamento dos tribunais e dos órgãos a montante destes: PGR, polícias, entidades de controlo da corrupção, etc. 4. TRANSFORMAÇÃO: todo o sistema está em causa e precisa de uma profunda transformação (a associação SEDES chamou-lhe "uma revolução"): desde o ensino do Direito, cujo plano curricular tem quase um século, à legística (a qualidade das leis continua a degradar-se), passando pela formação de magistrados e advogados e a necessidade imperiosa de alterar a configuração dos conselhos superiores da magistratura. 5. REVISÃO CONSTITUCIONAL: os nossos dirigentes políticos têm agora uma oportunidade, talvez irrepetível, de aproveitar a convergência ao centro para fazer alterações constitucionais que permitam uma justiça que esteja verdadeiramente ao serviço dos cidadãos.
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