Outros sites Medialivre
Notícia

Os efeitos da covid-19 nos ramos de seguros

Dos vários ramos, são os seguros de vida que enfrentam o desafio mais difícil, devido à desvalorização das suas carteiras de investimentos. No caso das seguradoras não vida, virá da insolvência de muitas pequenas e médias empresas.

14 de Abril de 2020 às 15:00
Alexandre Ramos afirma que a Liberty está a fazer uma análise caso a caso para oferecer soluções flexíveis. Kike Carbajal
  • Partilhar artigo
  • ...
O surto pandémico da covid-19 tem e vai ter impacto significativo no futuro na indústria seguradora. Não só no curto prazo, mas também nos efeitos mais prolongados. "A principal preocupação consiste em saber em que medida esta situação pode afetar a economia, e, por inerência, o crescimento e rentabilização futura da atividade", afirma João Lapa Pereira, consultor da i2S.

Na sua opinião, os seguros de vida são, de todas as linhas de negócio, os que enfrentam o desafio mais difícil, devido à desvalorização das suas carteiras de investimentos.

"Se, no caso dos seguros de capital variável (unit linked), o risco de investimento é assumido pelo cliente, no caso dos produtos financeiros e PPR, que têm taxa garantida, a perda é totalmente absorvida pela seguradora. Normalmente nestes casos não existe possibilidade de mitigação do risco financeiro com o resseguro", salientou João Lapa Pereira.

Seguros de vida

Adianta ainda que "é expectável, portanto, um défice bastante grande na relação ativos-responsabilidades (Asset Liability position) das seguradoras que comercializam produtos vida. Além disso, os investimentos em dívida dos diferentes governos estão hoje sob forte pressão e, em muitos casos, não será possível evitar uma queda do nível do ‘rating’ que lhes está associado, o que terá impacto numa descida dos níveis de solvabilidade".

Numa lógica de curto prazo, o património das seguradoras, sobretudo as que comercializam seguros de vida e que dependem em grande parte da performance do risco financeiro, será afetado do lado das responsabilidades perante os clientes, haverá um aumento das indemnizações que se traduz numa deterioração dos resultados e num aumento dos níveis de provisionamento.

Do lado do ativo, perdas muito significativas associadas à desvalorização dos investimentos, como ações e títulos de dívida, e à volatilidade dos mercados financeiros. "Os fundos próprios serão diretamente afetados pelas perdas resultantes. Como consequência, assistiremos no imediato a uma deterioração dos rácios de solvência das seguradoras, mesmo tendo em conta a mitigação do risco através do mecanismo do resseguro", conclui João Lapa Pereira.

Jogos Olímpicos

No caso das seguradoras não vida é provável "uma diminuição da base de clientes por insolvência de muitas pequenas e médias empresas". Como exemplificou João Lapa Pereira, seguros para fazer face ao risco de interrupção do negócio terão perdas significativas a não ser que o risco pandémico esteja excluído, bem como seguros de contingência que respondem perante a não realização ou cancelamento de eventos. "Por exemplo: o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio vai certamente gerar perdas enormes para os seguradores e resseguradores envolvidos."

O seguro de aviação e o seguro de viagem terão as suas carteiras substancialmente reduzidas devido à ausência de atividade, o seguro de crédito poderá também ser afetado devido à incapacidade das empresas de solverem os seus compromissos, tal como o seguro de doença deverá também registar um número crescente de indemnizações, quer via realização de testes da covid-19, quer via internamento e tratamento dos pacientes.

Ramos não vida

"Importa referir que no caso dos ramos não vida uma boa parte das responsabilidades será transferida para o ressegurador, aliviando assim a seguradora do seu impacto direto. Assim, e salvo casos pontuais, a situação a curto prazo do negócio não vida será relativamente gerível", salientou João Lapa Pereira.

"Neste contexto de excecionalidade, e dado o tipo de riscos que cobrem, adquirem especial relevância os seguros de acidentes de trabalho, pessoais, viagem, vida e saúde", reconhece Alexandre Ramos, membro da equipa executiva e WEM Technology Leader da Liberty Seguros. Acrescenta que "a generalidade dos seguros não contém cláusulas de exclusão ou de limitação das coberturas relacionadas com a pandemia do novo coronavírus".

Como assinala o gestor da Liberty, implementaram várias medidas para oferecer flexibilidade aos colaboradores, clientes e parceiros. No caso dos clientes, "estamos a fazer uma análise caso a caso para oferecer flexibilidade sobre as opções e períodos de pagamento, remover cobranças ou quaisquer outros termos de contrato".

O futuro dos seguros

"Do ponto de vista do negócio, os principais impactos verificam-se, como seria expectável, ao nível das atividades de saúde e de vida, pelo que continuamos empenhados em garantir informação séria, qualificada e transmitida de forma responsável aos nossos clientes", diz Nelson Machado, membro da comissão executiva do Grupo Ageas Portugal.

Adaptámos condições ligadas a produtos para determinados segmentos de clientes e reforçámos a comunicação dos nossos canais digitais.  nelson machado
Membro da comissão executiva do grupo Ageas Portugal

Assinala ainda "os impactos laterais, provocados pela indisponibilidade ou capacidade reduzida, mas incontornável, de serviços de parceiros e prestadores. Estamos neste momento também a avaliar e a definir medidas para a retoma da atividade normal, após este período tão difícil para todos e assim que seja recomendado", refere Nelson Machado.

"Flexibilização e rigor" são, para Luiz Ferraz, mandatário geral da Prévoir em Portugal, os desafios maiores, o que implica particular atenção à situação dos mercados financeiros e a "governação das empresas deve ser adequada à situação, com capacidade de acompanhar as evoluções e/ou involuções que a pandemia venha a revelar ao longo do tempo".

Acrescenta que para o futuro, que antevê muito diferente, como os seguradores são resilientes e assumir riscos é a sua profissão. Por isso, "seguros completos e simples, distribuição apoiada em ferramentas tecnológicas, preços competitivos. Qualidade, proximidade e flexibilidade vão estar na ordem do dia".


O papel da supervisão em tempo de pandemia

A ASF adotou um conjunto de medidas de flexibilização, em termos prudenciais, comportamentais e de supervisão, para esta situação epidemiológica.

Na última semana de março, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) fez chegar a todos os distribuidores de seguros um conjunto de medidas de flexibilização e recomendações no âmbito da evolução da situação epidemiológica da covid-19.

No plano prudencial aconselhava a monitorização regular da posição financeira, de liquidez e de solvência para poder agir rapidamente em caso de evoluções desfavoráveis. Sobre a gestão de capital, as seguradoras devem abster-se de medidas que impliquem a descapitalização das empresas, como a distribuição de dividendos e operações de financiamento intragrupo.

Pede-se uma acrescida vigilância, por parte das empresas de seguros, no que respeita aos pedidos de resgates/reembolsos antecipados que lhes são apresentados, referindo que "devem informar os seus clientes acerca do potencial montante de perda causado pelos mesmos, em particular nos seguros sem garantias associadas".

Nos aspetos comportamentais, apela à flexibilidade em relação aos clientes, sobretudo em relação às dificuldades de pagamentos e na resolução de sinistros.

Em termos de supervisão, "a ASF reconheceu que, numa fase excecional como a que estamos a ultrapassar, não é possível exigir a mesma capacidade de resposta aos procedimentos normais de supervisão e que deve ser dada primazia à defesa dos interesses dos tomadores de seguros, segurados e beneficiários", refere Alexandre Ramos, membro da equipa executiva e WEM Technology Leader da Liberty Seguros.

A ASF vai flexibilizar os prazos de resposta a interpelações que solicite junto dos distribuidores, suspender ou cancelar ações de supervisão calendarizadas para os próximos meses e flexibilizar os prazos de reporte de informação para os mediadores de seguros e de resseguros e a flexibilização da comunicação digital para com os parceiros e clientes.

Para João Lapa Pereira, o papel do regulador consiste em "definir condições regulatórias que favoreçam a criação de soluções que respondam aos novos desafios das seguradoras, sem esquecer que o objetivo último a atingir é a proteção dos seus clientes".

Risco pandémico

Na sua opinião, no regime de Solvência II gerido pelo EIOPA, existem mecanismos com caráter excecional que permitem atenuar os efeitos da variação negativa de determinados riscos como é o caso da Ajustamento da Volatilidade. Uma maior flexibilidade destas medidas permite diluir a longo prazo o impacto que a covid-19 vai ter nos balanços das seguradoras mais afetadas. Este regime incorpora dois patamares de nível de solvência podendo também aqui haver alguma flexibilidade em caso de situações extremas.

João Lapa Pereira adianta que, "com base nos dados conhecidos (2018), o rácio médio de solvência na UE era de 242%, o que significa que em muitos casos haverá margem para acomodar potenciais perdas. Outra solução passará pela limitação em determinados casos da política de distribuição de dividendos bem como de remunerações variáveis, de modo a aliviar a pressão sobre os fundos próprios das seguradoras". Conclui referindo que "a covid-19 irá certamente contribuir para uma melhor calibração do risco pandémico em âmbito Solvência II aferindo ao mesmo tempo a bondade dos modelos atualmente existentes".

O salto tecnológico

Uma das maiores mudanças com a covid-19 "foi o facto de termos percebido como a tecnologia é essencial para que possamos continuar com o nosso trabalho e o nosso serviço aos clientes", afirma Alexandre Ramos, membro da equipa executiva e WEM Technology Leader da Liberty Seguros. Tal como outras seguradoras, estão, "desde o momento da ativação dos estados de alerta e de emergência em teletrabalho, a funcionar a 100%, garantindo todo o serviço a clientes, sinistrados e parceiros para podermos apoiar os clientes".

Segundo Alexandre Ramos, "ainda antes do regulamento de contenção, a equipa, mais de 2.000 colaboradores dispersos entre a Irlanda, Portugal e Espanha, já estava a trabalhar a partir de casa. Além disso, cancelámos todas as nossas reuniões presenciais e viagens de negócios".

Nelson Machado salientou o papel das equipas de informática que, num tempo recorde, puseram 1500 pessoas a trabalhar de casa, incluindo os contact centers. Em relação aos clientes, têm procurado ter uma comunicação clara e próxima, "e em alguns casos antecipámos serviços específicos para os cuidados de saúde sem sair de casa, adaptámos condições ligadas a produtos para determinados segmentos de clientes, reforçámos a comunicação dos nossos canais digitais".

Para Luís Ferraz, "agilizar, teletrabalho, reuniões por teleconferência e digitalização são ferramentas indispensáveis para continuar a exercer a atividade", e, sublinha, "os resultados têm mostrado enorme flexibilidade, nunca antes testada, mas reveladora da capacidade e vontade de continuarmos todos presentes no mercado". 


Mais notícias