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Os desafios da disrupção e os novos riscos

A indústria seguradora vive um grande momento de disrupção tanto no domínio da tecnologia, como do comportamento dos consumidores, a que acresce a da emergência de novos riscos. Mas há problemas de sempre, como os juros.

12 de Maio de 2017 às 16:51
Ana Martins Pereira, Flavia Rodríguez-Ponga, Gastão Taveira, Luís Pereira Coutinho e Rui Neves discutiram caminhos para a evolução do sector. Inês Lourenço
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"Um dos desafios para as seguradoras é a rapidez a lançar produtos" disse Gastão Taveira, CEO da i2S. Com os sistemas baseados em "mainframes", a maior parte das companhias leva oito a 12 meses para lançar um novo produto complexo, só em termos informáticos. "Isto tem de ser ultrapassado e também há tecnologias para o fazer" assegurou. O caminho passa por uma configuração de produtos muito simples em que um actuário seja capaz, sem qualquer programação, de definir um produto. Este processo é rápido e em semanas pode-se lançar um produto, fazer um teste de mercado. Se não funcionou altera-se. "Esta agilidade é fundamental com a mudança social" sublinhou Gastão Taveira.

Outro factor muito importante na forma de interacção das seguradoras com os clientes é a omnicanalidade. "Tem de haver o 'single point of truth' na companhia seguradora, que é uma espécie de motor de regras. Quando se define um produto definem-se todas as condições técnicas, o processo e as regras de decisão, seja na subscrição, na gestão de sinistros, no cálculo das provisões. É o motor de regras que permite que seja publicado em todos os canais e em todos os dispositivos possíveis" referiu Gastão Taveira.

A disrupção dos seguros

"A indústria seguradora vive um grande momento de disrupção tanto no domínio da tecnologia como do comportamento dos consumidores" afirmou Rui Neves, senior partner da McKinsey. Por sua vez, Gastão Taveira deu como exemplo o facto de em Inglaterra mais de 70% do seguro automóvel ter resultado de uma pesquisa online. Traçou ainda o retrato dos millennials que serão entre "entre 25 e 50% dos consumidores, muito ágeis, conectados. Não aceitam a relação normal e burocratizada, as coisas têm de ser mais simples, valorizam a experiência, querem respostas imediatas, não confiam na publicidade e já vêem pouca televisão, informam-se. Acreditam numa marca se tiverem tido experiências positivas. A capacidade de fazer pesquisa é elevada".

Uma das tendências marcantes dos tempos que se vivem é a simplificação e o custo. Luís Pereira Coutinho, presidente do Banco CTT, uma instituição financeira recém criada que tem como filosofia uma relação com o cliente com produtos de poupança e investimento muito simples, com apoio tecnológico e com serviços de baixo custo. Funcionam também em parceria por isso não estão reféns dos seus próprios produtos. "Temos trabalhado com os nossos parceiros seguradores para encontrar soluções simples, fáceis de entender pela rede e pelos consumidores".

Riscos e juros

No mapa dos riscos as seguradoras estão preparadas para os riscos tradicionais como tem provado pela sua capacidade de gerir esses riscos. O problema, como assinalou Flavia Rodríguez-Ponga, "está nos novos riscos, que vêm de fora do sector, sobretudo oriundos da tecnologia e do impacto da digitalização e dos sistemas de relacionamento com os clientes como a venda online". Para uma seguradora com o ramo automóvel os riscos são geridos com eficácia e conhecimento, no futuro o risco principal vem de fora, são riscos externos sobretudo tecnológicos, como por exemplo da tecnologia com os veículos autónomos e que vão levar a um outro conceito de responsabilidade civil e de seguro automóvel.

O debate

No debate do tema "Os Novos Cenários Socio-Económicos e o Sector Segurador", estiveram presentes:
 Ana Martins Pereira, vice-presidente do Instituto dos Actuários Portugueses;
 Flavia Rodríguez-Ponga, directora-geral do Consorcio de Compensación de Seguros;
 Gastão Taveira, CEO da i2S;
 Luís Pereira Coutinho, CEO do Banco CTT;
 Rui Neves, senior partner da McKinsey & Company.
 Moderação a cargo de André Veríssimo, subdirector do Negócios.


As baixas taxas de juro têm sido um dos grandes desafios da indústria seguradora. Como disse Flavia Rodríguez-Ponga, "no ramo não vida os investimentos são de mais curto prazo, cerca de dois a três anos, enquanto no Vida são de muito longo prazo e é onde o impacto das baixas taxas de juro mais se tem feito sentir".

A directora-geral do Consorcio de Compensación de Seguros explicou que o estreitamento da margem financeira colocou mais pressão sobre a margem técnica. Por isso no ramo não vida para gerir a margem técnica procura-se vigiar a cadeia de produção para evitar a fraude e pagamentos indevidos, para limitar os custos. Mas numa apólice de Vida não se pode pressionar a margem técnica. "O que se fez em Espanha para evitar essa pressão sobre a margem financeira foi o aumento dos 'unit-linked', os produtos em que o risco do investimento é assumido pelo cliente ou, então por outra fórmula, que me agrada mais, com taxas de juros que não são garantidas para toda a vigência da apólice mas com taxas de juro que são revistas de seis em seis meses ou de ano a ano" salientou Flavia Rodríguez-Ponga.

A nova vida dos actuários

Ana Martins Pereira falou sobre o novo papel do actuário.

"Solvência II veio dar um papel muito importante ao actuário" salientou Ana Martins Pereira, vice-presidente do Instituto dos Actuários Portugueses. Nas seguradoras os actuário tinham um papel operacional a fazer os produtos, estudar a sua rentabilidade e as fórmulas das provisões técnicas. A nova legislação, decorrente de Solvência II, introduziu uma nova função que é de supervisão de todo o trabalho das provisões técnicas considerando que estas não são apenas contabilísticas mas têm um racional económico subjacente. "Os pressupostos das previsões económicas podem ser diferentes, podem divergir, portanto o número pode ser diferente e toda a companhia tem de perceber se os pressupostos são realistas e os riscos em que estão a incorrer" referiu Ana Martins Pereira.

Esta actuária ligada ao BPI Vida e Pensões fez referência ainda ao actuário responsável, que existe em Portugal mas não em muitos países europeus, e que faz uma certificação dos trabalhos feitos pela função actuarial, "que tal como os auditores tem de certificar todos os cálculos das provisões económicas e das necessidades de capital".

A tecnologia e os actuários

O problema para os actuários é tentar explicar dentro das seguradoras que tudo mudou e que se pode ter um rácio de 125% de solvência e o capital ter muito risco e ter o mesmo valor de solvência e o capital ter pouco risco. Para Ana Martins Pereira "mais importante do que Solvência II que trouxe os requisitos de capital é a auto-avaliação do risco, o ORSA". Explica que, por exemplo, nos Estados Unidos não existem as necessidades de capital como na Europa, mas a auto-avaliação do risco em que as companhias avaliam os riscos que incorrem e projectam cenários para o futuro em paralelo com o seu "business-plan".

"Os actuários estão a sofrer uma mudança não só por causa de Solvência II mas porque há uma proliferação de modelos nas seguradoras" referiu Rui Neves, senior partner da McKinsey. Acrescentou que as novas seguradoras que estão a surgir nos Estados Unidos, como a Allstate ou Progressive, estão a criar todos os anos um milhão de algoritmos inteligentes não só na análise de risco, mas na segmentação, aquisição de novos clientes, retenção de clientes, "cross-selling", níveis de serviço. Quase tudo é preditivo até à forma de gerir as empresas e é mais um desafio para os actuários. 


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