Outros sites Medialivre
Notícia

José António de Sousa: "Processo de concentração das seguradoras não está encerrado"

Nos ramos não Vida, a correlação entre o comportamento do PIB e do sector segurador é perfeita há mais de uma década. Mas como refere José de Sousa, CEO da Liberty, em 2016 pela primeira vez em muitos anos o sector cresceu por correcções tarifárias que eram necessárias e não porque a economia portuguesa tivesse crescido.

07 de Março de 2017 às 10:54
Miguel Baltazar
  • Partilhar artigo
  • ...
José António de Sousa, 61 anos, licenciado em Economia pela Universidade do Porto, lidera a Liberty Seguros em Portugal desde 2003, depois de ter feito uma carreira internacional na área seguradora que o levou a Alemanha, Espanha, Brasil, México, Estados Unidos e Venezuela. Defende que "para que o ramo Vida se torne mais atractivo, seria absolutamente necessário haver incentivos fiscais à poupança de longo prazo através dos seguros de poupança, como acontece em qualquer país civilizado e desenvolvido".

Qual é a análise que faz das principais mudanças do sector tanto em termos de produtos, mercado e performance do sector tendo em conta que hoje os principais "players" são estrangeiros, o negócio representa hoje 66,3% do realizado em 2010, o ramo não vida vale 38,7% em 2016 quando valia 25,5% em 2010, os produtos de poupança perderam atratividade?
Numa qualquer análise que se faça ao mercado segurador português devemos sempre separar o Vida e o Não Vida, porque os comportamentos e dinâmicas em termos de evolução e crescimento são totalmente diferentes, por vezes opostos mesmo.

Os ramos que caem sob a classificação de Não Vida (Automóvel, Acidentes de Trabalho, Incêndio, etc.) têm um comportamento que espelha com perfeição a evolução da economia portuguesa. A correlação entre o comportamento do PIB e do sector segurador, nos ramos Não Vida, é perfeita há mais de uma década ! PIB cresce, sector segurador cresce, PIB desce, sector segurador decresce.

Já o comportamento em Vida é diferente, depende muito dos interesses que foram marcando as políticas comerciais dos bancos na última década, e em particular a partir da crise financeira de 2008, que acabou por destruir o sector financeiro português, mostrando a sua terrível debilidade e os erros de gestão cometidos (atribuição de crédito sem correspondente análise de risco).

O exercício de 2016 marca uma viragem em Não Vida, porque pela primeira vez em muitos anos o sector cresce nos ramos Não Vida, não porque a economia portuguesa cresça, mas por correcções tarifárias que eram desesperadamente necessárias, uma vez que há várias companhias de seguros a operar a margens negativas, e consequentemente a perder dinheiro, há vários anos consecutivos.

Qual é a avaliação que faz do sector segurador em Portugal? É grave para o sector a queda de prémios no ramo Vida, não afecta o equilíbrio económico-financeiro das seguradoras? Como é que o ramo Vida pode combater a sua queda e tornar-se mais atractivo?
É um sector que está em plena mutação, em que o processo de concentração, quer a nível dos operadores (seguradoras), quer a nível dos intermediários, ainda não está encerrado.

O decréscimo verificado em Vida não acontece pela primeira vez. Até há 2 ou 3 anos atrás, dependendo das necessidades dos bancos que eram donos das principais companhias de seguros em Portugal, assistíamos a enormes deslocações de carteiras de investimento em função daquilo que era mais importante para o banco. Se precisavam de depósitos no banco, as áreas comerciais dos bancos canalizavam os produtos de investimento das suas seguradoras para o banco. Se o que queriam era potenciar a carteira de vida na seguradora, convenciam os clientes a pegar nos depósitos, e a investir em produtos de investimento na seguradora.

Estas deslocações não afectam maiormente o equilíbrio económico-financeiro das seguradoras, porque o que anda em "bolandas" de uma lado para o outro são produtos de investimento. Na realidade, aquilo que nas nossas bases contabilísticas ainda é visto como "prémio" (os montantes investidos pelos clientes em produtos financeiros), em USGAAP (e futuramente muito provavelmente também nas bases contabilísticas europeias, IFRS), não é visto como prémio, uma vez que é dinheiro dos segurados / investidores, que eles podem retirar da companhia a qualquer momento na íntegra.

Para que o ramo Vida se torne mais atractivo, seria absolutamente necessário haver incentivos fiscais à poupança de longo prazo através dos seguros de poupança, como acontece em qualquer país civilizado e desenvolvido.

Este sector tem desafios em Portugal que provavelmente não existem em muitos mais países europeus em que a uma crise económica e de crescimento se juntam taxas de juro, baixa poupança, envelhecimento da população. Na sua opinião como tem reagido o sector a estes desafios? Está mais saudável do que no passado? Tem mais consciência dos riscos económicos e financeiros mas também ambientais, ciber-riscos e reputacionais?
O nosso sector segurador tem alguns desafios específicos, ligados ao país, como bem indica. O problema das baixas taxas de juro é transversal a todos os países, mas as baixas taxas de poupança, o envelhecimento da população, o baixo crescimento da economia, as altas taxas de desemprego, os baixos salários são aspectos que nos atingem com particular incidência.

O nosso sector segurador, apesar das asneiras que foram feitas no passado, sempre se manteve sólido, porque a nossa autoridade de regulação esteve sempre atenta, e actuou com contundência sempre que viu potenciais problemas.

O sector consolidou-se, houve marcas que desapareceram (Real, Global, AXA, Macif, etc.), mas tudo se passou sem os sobressaltos traumáticos que aconteceram na banca, e sem que os segurados, os consumidores, fossem prejudicados. O sector segurador teve um comportamento exemplar ao longo da crise, e não há razão de espécie alguma para que não continue assim.

Os riscos que menciona na parte final da sua pergunta (ambientais e ciberriscos) são duas áreas que constituem grandes desafios para o sector segurador, mas antes de se transformarem num problema reputacional para o sector, acredito que o sector os enfrentará com a habitual eficácia que nos tem permitido ser um sector que ficou à margem, em termos de imagem, dos grandes problemas que a banca enfrentou e ainda enfrenta. 


Mais notícias