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Seguradoras avaliam sinistros passados, o dia e a hora do acidente ou se a cobertura foi adicionada recentemente para detectar fraudes.
"Vidro do pára-brisa quebrado. Causa desconhecida. Provavelmente fenómeno sobrenatural" escrevia-se numa participação a uma companhia de seguros. Desde que o negócio segurador existe que a confiança habita com a vontade de dissimular e enganar. A fraude no sector segurador é um problema em vários mercados, ainda que os ramos sejam afectados de forma diferente conforme os países.
De acordo com as últimas estatísticas, na Europa a percentagem de fraudes às seguradoras pode variar entre os 2,5% e 10% sobre os sinistros pagos. Estima-se que, entre 8 a 12 mil milhões são perdidos em fraudes nos 25 países da União Europeia (EU). Como refere José Armínio, director de serviços de sinistros da Mapfre, "em Portugal não temos dados estatísticos actuais, fiáveis, que permitam uma comparação fidedigna com outros países e com a própria média da União Europeia".
Este ano vão ser divulgados números sobre a fraude em Portugal. Têm por base um estudo que está a ser feito numa parceria entre a Associação Portuguesa de Seguradoras (APS) e o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), que "pretende não só quantificar a fraude como tipificar esta. Porém ainda não estão fechados os números oficiais" como refere Alda Correia da direcção de Serviço ao Cliente Liberty Seguros e da UEI-GF Unidade Especial de Investigação, Gestão de Fornecedores e CACD. Por exemplo uma seguradora detectou, em 2014, 74 casos de fraude comprovada que representavam 780 mil euros em indemnizações. O impacto no ramo automóvel foi cerca de 500 mil ou seja cerca de 1% na produção desse ramo. "Na Mapfre fazemos um relatório trimestral com os valores poupados dos casos em que há, comprovadamente, fraude. Mas sendo estes uma parte do todo, não podemos afirmar que conseguimos apurar o prejuízo causado pelas fraudes no seu conjunto" salienta José Armínio.
Para esta gestora da Liberty Seguros a tendência dos últimos anos tem sido o aumento de casos de fraude "mas o valor poupado tem tendência a ser mais baixo". Para Alda Correia isto explica-se pelo facto de os custos de investigação terem aumentado e hoje "um auto de ocorrência pode facilmente ultrapassar os 100 euros". Aumentou também o "número de casos de baixo valor detectados pelas seguradoras. Ao contrário do passado, as seguradoras passaram a dedicar esforços na detecção de fraude nos sinistros de baixo valor como é o caso da quebra isolada de vidros, seguros de viagem, riscos eléctricos".
Sistemas de alerta
Os custos das seguradoras com as fraudes são elevados, o que faz com que as seguradoras tenham equipas para fazer a investigação e a averiguação de sinistros com competências nas diversas áreas relacionadas com os ramos de seguros. No departamento de investigação de sinistros da Mapfre estão 48 pessoas distribuídas pelos pólos de Porto e Lisboa e podem ser analisados casos que vão de um euro ao milhão de euros. A investigação é feita pela companhia pois tem competências internas para fazer este tipo de trabalho. Em alguns casos recorrem a especialistas e peritos externos sobretudo quando há litígios em tribunal e a perícia externa e independente se mostre mais credível. A seguradora está dotada de um sistema informático de alerta em que sempre que se abre um novo processo, um novo sinistro, o sistema avisa se os intervenientes já estiveram relacionados com outro sinistro, se já esteve em outros sinistros, se ocorreu ao fim de semana, em determinadas horas, se na apólice aquela cobertura foi incluída recentemente. Nestes casos, os sinistros podem ser alvo de análise e eventualmente investigados.
"Em sinistros que nos oferecem dúvidas usamos relatórios para determinar as consequências de um acidente como um incêndio provocado, um choque entre duas viaturas que não aconteceu como está na participação (os danos e as posições em que os carros estão não são coincidentes; o carro não absorveu aquele energia porque se tivesse absorvido não teria aqueles danos…)" enumera José Armínio. Acrescenta que "um processo de investigação pode custar mil euros e há outros mais complexos que podem ser mais onerosos ate porque implicam muitas vezes que se recorra a centros técnicos, universidades, especialistas". Mas para este profissional, com uma experiência curtida em quase cinquenta anos na investigação, "não pode haver uma cultura de busca da fraude porque isso se reflecte na qualidade de serviço. O princípio deve ser: toda a gente é séria até prova em contrário".
Alda Correia refere que "cada seguradora possui a informação disponível nos seus sistemas e com isto tem vindo a fazer um esforço de desenvolvimento informático que permita detectar mais cedo as situações suspeitas e regularizar mais rapidamente os casos que não oferecem dúvidas. Os modelos preditivos serão uma excelente ajuda também nesta área. Mas não são meios de prova. Para isso, as seguradoras socorrem-se de peritos averiguadores e exames clínicos".
Há vários aspectos que a seguradoras referem como passíveis de ajudar a diminuir o número de fraudes como, por exemplo, a importância dada ao papel social do seguro. Esta concepção sublinha o facto de os custos com as fraudes serem também custos para todos os segurados. Como salienta José Armínio, "nos países nórdicos uma fraude a uma seguradora é condenável socialmente. Em Portugal quem se gabar de ter defraudado uma seguradora é elogiado, aplaudido e copiado". Neste aspecto Alda Correia salienta o facto de haver cada vez mais notícias sobre fraudes nos seguros: "numa análise efectuada em Outubro de 2014 às notícias publicadas em Portugal, verificamos que em 10 anos passamos de zero notícias para 18 (Outubro de 2014) e no ano de 2013, foram encontradas 25 notícias". Regista ainda como curiosidade o facto de ter aumentado o número de "denúncias anónimas".
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Facebook ajuda na investigação de fraudes
Quando legalmente é permitido a investigação das seguradoras utiliza a informação que está disponível na pegada digital que as pessoas deixam. Houve o caso de uma senhora que dizia que tinha estado sempre em casa, mas a lesão tinha-se agravado recentemente. O investigador acabou por encontrar a explicação no Facebook ao ler uma mensagem pública em que uma amiga lamentava os ferimentos da sua queda num passeio na Boca do Inferno em Cascais. Num segundo caso, um segurado accionou o seguro de vida e saúde pois estava a perder as suas faculdades visuais, não podia trabalhar e sofria ainda de síndrome vertiginoso. Na página de Facebook do segurado foram encontradas fotografias em arranha-céus em algumas cidades em poses esfusiantes e fotos num passeio de veleiro em que pelas poses não parecia ser afectado pelo síndrome vertiginoso. Fechou a página mas a informação já estava recolhida.