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Marcelo: afectos, convergência política e muitas selfies

Este foi o ano de Marcelo. Ele mudou a imagem da Presidência e imprimiu ao cargo um estilo a que os portugueses não estavam habituados, mas que nele faz todo o sentido. Ao Governo de Costa prometeu estabilidade e assim tem feito.

Filomena Lança filomenalanca@negocios.pt 29 de Dezembro de 2016 às 09:58
Ricardo Castelo
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Natal dos Hospitais, ginjinha numa tasca do Barreiro, consoada nas urgências do São José, em Lisboa, passagem pela festa de Natal da Re-food numa iniciativa contra o desperdício alimentar, campanha "Um Gesto pela Paz", com a Cáritas, cumprimentos de boas festas vários, audiências… Neste Natal, não houve um único dia em que Marcelo Rebelo de Sousa não entrasse pela casa dos portugueses dentro, mas a verdade é que não foi assim por ser Natal. Marcelo, que antes de ser Presidente, era presença assídua nos domingos televisivos, tornou-se agora uma figura quase constante. E em todos os palcos se move com à vontade.

Onde quer que vá, distribui beijinhos, abraços, sorrisos, pega em bebés ao colo, é informal dentro das (poucas) formalidades que mantém como Chefe de Estado e aceita com a maior das naturalidades que tantos se queiram fotografar a seu lado. Às vezes chega a pegar ele próprio no telemóvel e a estender o braço para tirar a foto, garantindo que ninguém fica fora da imagem. Marcelo é o rosto de Belém e imprimiu, decididamente, uma nova dinâmica à função de Chefe de Estado.

O novo presidente tomou posse a 10 de Março deste ano. A 24 de Janeiro fora eleito à primeira volta, arrecadando 52% dos votos. Sem grande surpresa, que era já para aí que apontavam as sondagens. Não se pode dizer, porém, que nestes dez meses, o sucessor de Cavaco Silva não tenha surpreendido. E começou logo no dia da tomada de posse, quando, fintando a segurança, desceu a pé o percurso entre a sua casa e o Palácio de São Bento onde jurou defender a Constituição e prometeu afectos, lealdade e fidelidade.

Nunca senti a minha esfera de competências usurpadas pelo senhor Presidente da República, que tem tido sempre um relacionamento correcto. António Costa Primeiro-ministro

Nesse primeiro embate foi formal, mas, ao seu estilo, sempre informal. Rezou pela paz na Mesquita de Lisboa e acabou o dia a ouvir Mariza cantar o Hino Nacional na Praça do Município, de boina na cabeça e com uma manta nos joelhos, rodeado de lisboetas de todas as idades que pouco a pouco iam dispersando, devido ao frio. Marcelo aguentou-se estoicamente até ao fim do concerto.

Nesse dia em que chegou a Belém, o novo Presidente deixava já antever o que pretendia fazer: tudo menos manter-se confinado ao Palácio onde tem gabinete de trabalho. E assim foi. Vimo-lo na praia de Carcavelos a apanhar sol, a inaugurar padarias ou museus, a distribuir comendas aos medalhados do Euro 2016 ou a aparecer de surpresa na feira de Natal do Marquês de Pombal em Lisboa - "Passei por aqui e disse, deixa-me ver como é", justificou-se quando foi apanhado pelas câmaras de televisão.

Dez meses de mandato e outros tantos de namoro que, até ver, parece manter-se de pedra e cal. Com o povo e contra quem lhe augurava uma lua-de-mel curtinha com o Governo de António Costa . Marcelo bem avisou: "Desiludam-se os que pensam que o Presidente da República vai dar um passo que seja para criar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas". Assim tem sido e convergência é palavra chave.

Três vetos políticos - barrigas de aluguer, alteração aos estatutos da STCP e da Metro do Porto e lei que dava mais poderes ao Fisco em matéria de sigilo bancário -, mas nada que beliscasse o relacionamento institucional. Costa aceitou fazer melhorias na lei e no último caso deixou cair a ideia de facilitar o acesso da Autoridade Tributária aos saldos bancários.

Que os próximos cinco anos sejam vividos sob o espírito da mesma paz, justiça e fraternidade.

Desde que [António Costa] foi meu aluno sempre o achei optimista militante. Eu também era um optimista, mas, até porque era mais velho, menos militante.

Há prioridades na vida e Portugal tem prioridades que exigem uma grande estabilida- de, uma grande convergência dos órgãos de sobera-nia e dos mais diversos sectores da opinião pública.

Desiludam-se os que pensam que o Presidente da República vai dar um passo que seja para criar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas.
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República

Convergências, essas são muitas mais. A ameaça de sanções a Portugal por parte da União Europeia, por causa do défice, juntou as vozes de Presidente e primeiro-ministro, com Portugal em primeiro plano. Tal como aconteceria depois com o Euro 2016 ou com as comemorações do 10 de Junho, altura em que Costa e Marcelo viajaram juntos para Paris e ficou na lembrança de todos a imagem do primeiro-ministro a segurar um chapéu de chuva para que o Presidente não se molhasse durante o seu discurso numa festa com emigrantes. No chapéu a palavra "Fidelidade", numa imagem significativa da concertação estratégica entre ambos. "Reparem que quem tem o guarda-chuva é o primeiro-ministro de esquerda. E quem é apoiado [é] o Presidente que veio da direita", diria Marcelo, com o seu habitual bom humor.

Mesmo quando critica ou diz que tem "visões diversas da maneira de encarar o mundo", Marcelo apressa-se em dar a mão a António Costa. Como quando o acusou de "optimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante", para logo dizer que ele próprio partilha dessa atitude.

Marcelo acompanha tudo e vai metendo a sua colherada - no auge da polémica com a administração da CGD, por exemplo, não poupou nos comentários e recebeu em audiência António Domingues. Também já criou embaraços a Costa por várias vezes, mas o primeiro-ministro não se poderá propriamente queixar de falta de apoio. Ainda recentemente o teve, quando Marcelo recebeu o Orçamento do Estado e no próprio dia o promulgou. Um ano de convergência, portanto. Em 2017 logo se vê.


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