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Trump: O herói da classe trabalhadora é um milionário

Contra todas as expectativas, Donald Trump foi eleito Presidente dos Estados Unidos. O milionário prepara-se para apagar o legado de oito anos de Barack Obama e revolucionar a ordem mundial. É a maior conquista do populismo em 2016.

27 de Dezembro de 2016 às 13:00
Reuters
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Provavelmente nunca um Presidente dos Estados Unidos viu a Casa Branca como um retrocesso face à sua residência anterior. Como toda a sua campanha, também neste capítulo Donald Trump quebrou a tradição. É o que dá viver numa penthouse no 66.º andar de uma torre com o próprio nome. É entre as colunas de mármore e os candeeiros de ouro de um apartamento avaliado em 100 milhões de dólares que está a ser preparada a transição para a Presidência do campeão dos trabalhadores americanos.

Esta aparente contradição não escapa a Trump. "O que impressiona muita gente é que eu estou sentado num apartamento como nunca ninguém viu e, no entanto, eu represento os trabalhadores de todo o mundo", afirmou à Time, no artigo que o elegeu como "Personalidade do Ano".

Quem apenas pensa em construir muros - onde quer que sejam - e não em construir pontes, não é um Cristão.  Papa francisco O líder da Igreja Católica criticou Trump. Curiosamente, a notícia falsa mais partilhada nas redes sociais em período eleitoral sublinhava que o Papa Francisco tinha anunciado o seu apoio ao milionário.

Este contraste não se esgota na vida pessoal do candidato, que já procurou saber quantas noites poderá dormir em Nova Iorque durante o seu mandato. Eleito pelo colarinho azul, Trump vai trazer como nunca antes o 1% para o Governo. A Administração Trump terá 12 milionários, a que se junta o próprio Presidente. É um Executivo mais branco (84% de caucasianos vs. 52% com Obama), mais militarizado (11% ex-generais vs. 4% com Obama) e mais inexperiente (47% tem experiência governativa vs. 87% com Obama).

Trump aparece ainda na ressaca da crise financeira de 2008 e no seguimento de décadas em que a globalização se tornou sinónimo de fuga de postos de trabalho para os operários. Foi na cintura industrial norte-americana, em Michigan, Pennsylvania e Wisconsin, que a eleição foi resolvida. Os esquecidos - entre os quais estão muitos dos "deploráveis" de que falou Hillary Clinton - usaram 8 de Novembro para se vingarem.

[Os imigrantes mexicanos] trazem drogas, crime, são violadores e alguns, presumo, são são boas pessoas. Donald Trump
Presidente-eleito dos EUA, sobre imigração ilegal.

O milionário ganhou a eleição nos seus próprios termos. A campanha que arrancou como uma "punchline" nacional desafiou todas as probabilidades. Trump humilhou um aparelho republicano fragmentado e distanciado dos trabalhadores, resistiu quando os líderes do próprio partido o abandonaram, recusou suavizar as propostas e a retórica, bateu os desenvolvimentos demográficos dos EUA, destruiu as sondagens e colocou um ponto final na dinastia Clinton. Tornou obsoleto o conceito de "gaffe", ofendeu minorias e deficientes, inventou teorias da conspiração e provou que é possível ser eleito dizendo mais mentiras do que verdades (sete em cada dez declarações suas são falsas).

Num mundo que se está a extremar politicamente, Trump representa a maior conquista do populismo em 2016, ano que também nos deu o Brexit. Muitos temem que o seu sucesso sirva de inspiração noutras partes do mundo, com eleições em França e Alemanha marcadas para 2017.

Ele é um herói de guerra porque foi capturado. Eu gosto de pessoas que não foram capturadas. Donald Trump
Presidente-eleito dos EUA sobre John McCain

A vitória de Trump é uma improbabilidade. Convenceu os operários com uma mensagem proteccionista, sendo o nomeado de um partido que defende de forma férrea o comércio livre. Os conservadores apoiam-no, apesar de ele defender uma expansão do Governo, com mais apoios sociais. Ganhou entre as mulheres brancas, apesar de assumir agressões sexuais numa gravação. Conquistou a esmagadora maioria dos evangélicos sem falar de religião. Teve uma maior percentagem do voto latino do que Romney, embora tenha dito que grande parte dos imigrantes mexicanos são violadores.

Terminada a eleição, a polémica continua, seja pelos ataques frequentes aos media, pelas críticas que fazem multinacionais perder milhares de milhões em bolsa ou as sucessivas notícias sobre conflitos de interesse com a sua empresa. O Twitter continua a ser o seu fórum predilecto. Até para questões diplomáticas sensíveis. É em 140 caracteres que reage aos ataques terroristas na Alemanha, à insatisfação chinesa com a conversa telefónica com a Presidente de Taiwan ou que subverte a ordem mundial.

O conceito de aquecimento global foi criado pelos chineses para tornar a indústria americana menos competitiva. Donald Trump
Presidente-eleito dos EUA sobre alterações climáticas

Quinta-feira, o Presidente- eleito assumiu que os "EUA precisam de fortalecer e expandir a sua capacidade nuclear até que o mundo ganhe juízo sobre armamento nuclear". Uma afirmação que vai em sentido contrário a décadas de esforços internacionais de desarmamento e que alguns especialistas temem que, sozinha, seja capaz de alimentar uma nova corrida nuclear. Alguns conselheiros de Trump procuraram desvalorizar a declaração, mas em entrevista à MSNBC o milionário não pareceu menos beligerante: "Que haja uma corrida ao armamento... vamos batê-los em cada passo e ultrapassá-los a todos."

Com maioria republicana no Senado e na Câmara dos Representantes, adivinham-se poucos obstáculos à concretização da sua agenda, excepto dos próprios republicanos que parecem ter-se esquecido rapidamente das divergências que tinham com Trump.

Internamente, podem esperar-se fortes limitações à imigração, descidas de impostos, um programa de investimento público e o fim do Obamacare. Na frente externa, o maior esforço deverá concentrar-se na política comercial, com renegociações e rompimento de acordos comerciais e mais medidas proteccionistas. Neste capítulo, adivinha-se uma relação difícil com Pequim. Ataques e contra-ataques sob a forma de tarifas deixariam o mundo mais próximo de uma guerra comercial.

Uma fonte extremamente credível ligou para o meu escritório e disse-me que o certificado de nascimento de Barack Obama é uma fraude. Donald Trump
Presidente-eleito dos EUA sobre o local de nascimento de Obama

Mais discutida tem sido a relação com Moscovo. Os serviços secretos americanos são da opinião que os EUA foram vítimas de ataques ciberterroristas ordenados pela Rússia, com o objectivo de eleger Trump e o milionário tem feito declarações muito simpáticas sobre Vladimir Putin. O que significará uma maior convergência entre Moscovo e Washington?

Poucos acontecimentos serão tão decisivos a moldar 2017 do que a eleição de Trump este ano. A partir de 20 de Janeiro, em vez de mármore terá a tapeçaria da Sala Oval debaixo dos pés. Será o homem mais poderoso do mundo.


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