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2016: O ano dos extremos

Foi o ano em que o extremismo chegou ao poder na América com a eleição de Donald Trump. Em que a vitória do Brexit fracturou uma Europa ameaçada pelos populismos. Em que a violência extrema da guerra se abateu sobre a Síria. Em Portugal, um Governo apoiado no Parlamento pelos partidos na extrema-esquerda deu provas de longevidade.

André Veríssimo averissimo@negocios.pt 29 de Dezembro de 2016 às 11:02
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"Querem que a América seja governada pela classe política corrupta ou querem que a América volte a ser governada pelo povo?" A questão lançada por Donald Trump na última acção de campanha das eleições americanas contém em si a definição do populismo: uma ideologia que considera que a sociedade se divide em grupos homogéneos e antagónicos. O ano de 2016 mostrou que vivemos num mundo cada vez mais fracturado e extremado.

Quando na redacção do Negócios se debatia que palavra definia o ano que agora termina esteve em cima da mesa o substantivo "impensável". O populismo já ordena em países como a Hungria de Viktor Orban e há vários anos na América do Sul. A novidade foi vê-lo afirmar-se onde até este ano se considerava irrealista.

A primeira pedra a cair no charco de um liberalismo político e económico de águas turvas e inquinadas foi a vitória do Brexit. A irreversibilidade do projecto europeu foi estilhaçada, com os britânicos desempregados, de rendimentos mais baixos, com empregos menos qualificados e dos meios rurais a darem a vitória ao Brexit. Uma ideia forte impôs-se, propalada pelo UKIP, de extrema-direita, mas também por boa parte do Partido Conservador: travar a emigração.

A outra pedra chegaria em Novembro com a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton, depois de uma campanha fundada num discurso anti-sistema, anti-elites, anti-emigração e anti-comércio livre. A eleição expôs uma américa fracturada. Um dos homens fortes de Trump na Casa Branca será Stephen Bannon, figurada destacada da extrema-direita americana, antigo presidente executivo do Breitbart News, um site de notícias ligado ao movimento "Alt-Right".

Quer o Brexit, quer a eleição de Trump pertencem à categoria de factos que quebram a ordem vigente e levam a intuir que nada será como antes. E porque os extremos se atraem, Nigel Farage, do UKIP, foi dos primeiros a ser recebido por Trump, cuja vitória foi elogiada por Le Pen.

Os extremismos afirmaram-se também noutros palcos políticos. Em Itália, o movimento eurocéptico Cinco Estrelas de Beppe Grilo saiu vitorioso na oposição ao referendo constitucional que ditou o afastamento de Matteo Renzi. Na Áustria, o Partido da Liberdade quase arrebatou a Presidência da República. Na maior economia da Europa o Alternativa para a Alemanha continua a melhorar o seu "score" eleitoral.

Mentiras inconsequentes

Com o populismo veio também a política da "pós-verdade", eleita pelos Dicionários Oxford como a palavra do ano e a valer uma capa da The Economist: "Os políticos sempre mentiram. Importa que ignorem por completo a verdade?". Vieram também as "fake news", notícias falsas semeadas em sites e blogs para brotarem nas redes sociais. Causa ou consequência de uma comunicação social em crise.

O extremismo também toca a Portugal. Ainda que sem a retórica de outras paragens, dominada pelo discurso anti-emigração e nacionalista, o país viu afirmar-se uma solução de apoio parlamentar ao Governo sustentada pelo Bloco e o PCP, partidos da extrema-esquerda que no seu programa defendem a saída do euro e da NATO. Contidos nestas ânsias, o radicalismo ficou marcado na frase proferida por Mariana Mortágua numa conferência do PS: "do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro".

Violência extrema

O extremismo manifestou-se também na vaga de atentados terroristas em todo o mundo, atingindo novamente o coração da Europa: primeiro Bruxelas, depois Nice e por fim Berlim. Manifestou-se ainda na violência extrema a que chegou o conflito na Síria, com Aleppo, deixada em cinzas por Bashar al-Assad e Putin, comparada a Guernica ou Grozny. Na violência com que Recep Erdogan reagiu à tentativa de golpe de Estado de Julho.

Barack Obama deixa a Casa Branca no momento mais alto de crispação com Moscovo, depois dos serviços de espionagem russos terem entrado nos servidores do Partido Democrata e divulgado "emails" comprometedores para Hillary Clinton.

Foi um ano de extremos até nos mercados, com a política monetária nos EUA a afastar-se cada vez mais do expansionismo da Zona Euro. Mario Draghi anunciou um novo programa de compra de activos, mas menos ambicioso do que Portugal precisaria. Os juros da dívida subiram e podem em breve chegar a níveis difíceis de gerir pelo Governo.

Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, cita num discurso recente o escritor austríaco Stefan Zweig, popular nos anos 20 e 30 do século passado: "É uma lei de ferro que aqueles que são apanhados pelos grandes movimentos que determinam o curso do seu tempo falham sempre em reconhecê-los quando estes estão a iniciar-se". 2016 foi um ano de afirmação de novos movimentos, que em comum têm a ruptura com valores que se assumiram como marca do Ocidente, substituindo-os por outros, mais extremados. O próximo ano, marcado por eleições decisivas em França e na Alemanha, irá desmenti-lo ou confirmá-lo.



Foi assim que aconteceu

O Negócios começou a dar nomes aos anos em 2008, o ano da crise financeira que deu origem à Grande Recessão. E todos os seguintes são de alguma forma "filhos" desse primeiro momento fundador: o infernal, o draconiano ou o colossal. Para muitos, é ainda um efeito da destruição económica desses primeiros anos que explica 2015, o dos muros, ou este que agora termina, o dos extremos. Uma viagem à boleia das taxas de juro da dívida pública portuguesa, que em 2016 registam uma perigosa subida.




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