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A renegociação da dívida é um assunto que tem estado na ordem do dia e é uma via que tem sido defendida pelo partido da Marisa Matias, o Bloco de Esquerda, e pelo PCP. Com ironia, a candidata sugere um primeiro passo para abordar esta questão. "Eu, para já, gostava que começássemos por reconhecer que o problema existe sem termos de fazer uma sessão de terapia colectiva".
A seguir a constatação: se não há crescimento, se continuarmos a pagar taxas de juro, por muito baixas que sejam, sempre superiores à nossa capacidade de recuperar, é óbvio que a dívida não vai parar de aumentar".
Perante este diagnóstico, Marisa Matias aponta uma abordagem. "O que se deve fazer é olhar para o quadro das dívidas soberanas na União Europeia, e em particular na Zona Euro, que é onde existem mais desigualdades deste ponto de vista. Deve fazer-se uma análise concreta de que tipo de dívidas temos à frente. Obviamente que se fala de prazos, de montantes, de maturidades. Não é uma questão de não pagar. Já percebemos que a receita que foi utilizada até agora não está a funcionar muito bem e por isso temos que ter outros caminhos alternativos para lidar com a questão da dívida", realça a candidata presidencial.
Esta possibilidade de renegociação da dívida ganha maiores contornos de exiquibilidade face à política monetária expansionista que tem sido seguida pelo Banco Central Europeu (BCE).
Marisa Matias recusa-se a fazer "futurologia" sobre esta matéria, mas admite que estas novas medidas do banco liderado por Mario Draghi podem ir nessa direcção. "Leio-as como uma porta potencialmente aberta para se poder começar a negociar ou a falar à escala europeia, entre outras questões, da renegociação da dívida. Mas vamos ver, porque às vezes esperamos muitas coisas e sai o contrário".
"É impossível continuar a olhar só para a questão dos défices"
O Tratado Orçamental, subscrito por todos os Estados-membros da União Europeia em Março de 2012, à excepção do Reino Unido, Croácia e República Checa, define que todos os países devem ter um défice inferior a 3%. Em Portugal, a possibilidade do Governo não cumprir esta meta tem sido tema de debate.
"Do meu ponto de vista, é impossível continuar a olhar só para a questão dos défices. Por questões económicas nada disto é razoável. Muito menos do ponto de vista político, quando se quer construir uma União Europeia". Marisa Matias sustenta que Bruxelas, nos últimos anos, cavou "uma lógica castradora e disciplinadora dos mais fracos e não se toca, em momento nenhum, na questão dos excedentes comerciais".
A par desta constatação, a candidata presidencial lembra que "a Constituição da República está a cima do Tratado Orçamental". "Não acho que tenhamos de fazer do Tratado orçamental aquilo que ele não é. Se quer a minha opinião pessoal, espero que o Tratado Orçamental não venha a ser parte integrante do quadro jurídico europeu". Marisa Matias invoca o Trado de Lisboa para sublinhar a sua posição.
"Quando olhamos para os capítulos de política económica temos não apenas limites ao défice e á dívida mas também aos excedentes comerciais. No entanto, toda a legislação que foi feita no quadro da governação económica de resposta à crise, incidiu exclusivamente sobre os países deficitários e sobre uma lógica disciplinadora dos países deficitários".
Marisa Matias sobre a crise grega: "quem perdeu fomos todos nós"
Marisa Matias não tem dúvidas: a Grécia foi alvo de uma "tentativa de humilhação na praça pública, daquilo que é a vontade democrática de um povo".
Com a crise grega, continua a candidata presidencial, "acho que quem perdeu fomos todos nós. Foi a imagem que tínhamos do projecto e das instituições europeias. Assisti durante todos aqueles meses, em particular nas últimas semanas, ao que foram autênticas sessões de chantagem e de imposição. Não engrandece o Governo grego, mas sobretudo diminui-nos a todos e muito".
A candidata presidencial regista a diferença do tratamento dado à Grécia e ao Reino Unido. "Quando David Cameron apresenta as suas condições relativamente ao ‘Brexit’ as resposta que temos imediatamente da Comissão Europeia e das instituições europeias é dizer: vamos falar, vamos negociar, haveremos de chegar a um acordo que não ponha em causa a vontade democrática do povo inglês".
No caso grego foi diferente: "quem abriu definitivamente a porta da possibilidade da saída do euro não foi Alexis Tsipras, foi m senhor chamado Schäuble, que é ministro das Finanças da Alemanha". E durante o processo de negociação da Grécia com as instituições europeias "percebeu-se bem até que ponto se pode levar a chantagem e a ameaça sobre um país que está numa situação de destruição dos seus direitos mais básicos, com todos os actores a interferirem a cada momento".
E durante este processo, sublinha Marisa Matias, "nunca houve sequer uma tentativa, por mais ténue que fosse, de responsabilizar quem fez com que a Grécia chegasse a esta situação insustentável".