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Jerónimo de Sousa: As panelas, os chineses, a dívida e as greves

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, veio à redacção do Negócios falar de eleições. Uma conversa que passou por todos os temas, sem tabus. Até pela sua sucessão.

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Como é que prefere que o tratem: senhor Jerónimo de Sousa, senhor deputado, ou Jerónimo de Sousa? "Sinto-me mais à vontade ser tratado desta forma singela: Jerónimo de Sousa. Se o entenderem façam favor". E assim se fez. Durante duas horas de conversa, na Redacção Aberta, o líder do PCP foi tratado por Jerónimo de Sousa. "O partido também não me obrigou a mudar de carácter e personalidade quando fui para o secretário-geral. Sou o que sou. E mantive-me sempre o que sou".

 

A entrada no euro foi o confronto entre a panela de ferro e a panela de barro

A crise grega veio colocar um grande ponto de interrogação sobre a coesão da Zona Euro. O PCP sempre manteve reservas em relação à moeda única e, por isso, Jerónimo de Sousa  defende que Portugal se deve preparar para uma "situação dessa natureza.

 

"Na altura [2002] considerámos que a entrada no euro era uma aventura. Seria o confronto inevitável, em termos de economias, da panela de ferro contra a panela de barro. E que uma moeda única para economias diferentes teria inevitavelmente de entrar em colisão". Hoje, diz Jerónimo de Sousa, o tempo veio dar razão ao PCP e a saída do euro, afinal, "não é um possibilidade muito remota como muita gente dizia".


Na Redacção Aberta do Negócios, que se realizou na quinta-feira, dia 2 de Julho, antes do referendo na Grécia, o secretário-geral do PCP qualificou a eventual expulsão deste país como um acto "criminoso". Até porque se trata de um processo  em que "a condição primeira é estudar as consequências que teria uma saída. É esta preparação que hoje não existe na Grécia".


Por isso, quando questionam o PCP sobre se avaliou os custos de uma eventual saída de Portugal do euro, a pergunta é devolvida. "A primeira questão que se devia pôr é se esses que nos perguntam isso assumem as consequências da entrada no euro e os custos que trouxe ao nosso país em termos de destruição do aparelho produtivo, de transferência de capitais, de alienação de fatias da nossa soberania. Essas consequências também têm de estar presentes".


Para Jerónimo de Sousa, "o amarramento que o euro impõe" ao país poderá ter custos. "Ninguém nos livra de uma onda especulativa, com esta situação imprevisível na Grécia". Por isso, sustenta o líder do PCP, "sem dramatismo mas com uma grande frontalidade, consideramos que [a saída do euro] é uma questão que deve estar em cima da mesa para um futuro Governo".

 

Democracia fragilizada com falta de verdade


Não se peça ao PCP para não ser coerente com o que tem defendido e que defende no seu manifesto eleitoral. Jerónimo de Sousa vê, por isso, com dificuldade um entendimento de governação com o PS. "É evidente que o PS está muito mais próximo do PSD do que, obviamente, de uma proposta para uma política patriótica e de esquerda. O problema não está no entendimento [entre PCP e PS]. O problema está em entendermo-nos em torno do quê". É muito mais o que separa o PCP do PS do que aquilo que os une. "O PS demonstra nas propostas que não quer uma verdadeira alternativa. No essencial o que pretende é alternância de poder".


É precisamente nos temas que vê proximidade entre PS e PSD que Jerónimo de Sousa vê diferenças com o PCP. "Já viram o PCP subscrever este programa de Tratado Orçamental, da renegociação da dívida, da governação económica, subscrever esta linha em relação à segurança social, subscrever as alterações ao Código de Trabalho... Não peçam isso ao PCP. Há muitos nomes que nos podem chamar, mas não nos podem chamar incoerentes". Falta isso na política. "Hoje a democracia está mais fragilizada precisamente porque os partidos PSD, PS e CDS dizem uma coisa na campanha eleitoral e nos seus programas para depois fazerem uma coisa totalmente diferente". Volta, assim, a reafirmar haver "barreiras objectivas nesse entendimento". E conclui: "não peçam ao PCP para deixar de ser quem é para se ir acrescentar aos partidos de política de direita".

Jerónimo de Sousa acredita, por outro lado, que "PSD e CDS vão sofrer uma derrota, pelo mal que fizeram aos trabalhadores e ao povo português".


 

O país tem o direito a renegociar a dívida

Para o PCP, a necessidade de Portugal renegociar a dívida com os credores é um ponto assente. "O nosso país tem esse direito e essa obrigação de renegociação da dívida", diz Jerónimo de Sousa. Este princípio, adianta, é "o elemento crucial e inseparável dessa grande proposta que o PCP tem de crescimento económico e de aumento da nossa capacidade produtiva. É por aí que lá vamos. Não há volta a dar. Se não crescermos, se não alargarmos a nossa produção nacional, se não potenciarmos os nossos recursos, não resolvemos este dilema".  É evidente que esta transformação defendida pelo seu partido "não é tão fácil como eu estou a dizer", reconhece Jerónimo de Sousa. Contudo, sustenta, "a necessidade de crescimento económico e a necessidade de renegociação dívida são inseparáveis".


Questionado sobre as bases em que defende uma reestruturação da dívida, Jerónimo de Sousa afirma que o PCP não separa os juros, os montantes e os prazos. "A nossa preocupação é o serviço da dívida" e nesse sentido defende "uma moratória para conseguir que parte desses juros, no mínimo, seja distribuída para que o país possa ter dinheiro para o investimento e o crescimento económico". O secretário-geral afasta um cenário de ruptura com os credores. "Queremos uma negociação institucional e sabemos que os credores não perdem. Mas é o que queremos, para evitar que um dia, mais tarde ou mais cedo, sejamos colocados na situação de devedores, aceitando de forma implacável todas as imposições que nos queiram colocar. Os credores têm direitos, mas nós devedores também temos. Neste sentido, é fundamental que este processo se faça, tendo em conta a situação em que nos encontramos, e não estar à espera que um dia esta situação seja insustentável e impagável. Há que tomar a iniciativa".

Queremos uma negociação institucional e sabemos que os credores não perdem.
Jerónimo de Sousa

 


"Temos uma influência social muito mais alargada que o apoio eleitoral"

O PCP não se inspira em modelos externos e essa é uma das razões pelas quais "continua a ter u

Digo, com toda a sinceridade, que não sou capaz de encontrar, para além de uma lei geral em relação à construção do socialismo, modelo que nos sirva bem aqui."

m papel importantíssimo na sociedade portuguesa, nas instituições e no mundo do trabalho", afirma Jerónimo de Sousa. De acordo com o secretário-geral do PCP, isso é patente na adesão dos portugueses às ideias do partido. "Temos uma influência social muito mais alargada que o nosso apoio eleitoral. E isso resulta de querermos ser nós, comunistas portugueses, a concretizar o nosso projecto, à nossa maneira e com o nosso povo, e não com este ou aquele modelo que possa existir noutros países". Neste contexto, Jerónimo de Sousa realça o carácter único do PCP. "Digo, com toda a sinceridade, que não sou capaz de encontrar, para além de uma lei geral em relação à construção do socialismo, modelo que nos sirva bem aqui."


Esta resiliência do PCP, que contrasta com o definhamento de muitos partidos comunistas, é, aliás, motivo de curiosidade. "Não imaginam a quantidade de embaixadores e embaixadoras de países insuspeitos que se dirigem a nós, para nos entender, para nos conhecer" e perceber como sobrevive. Uma das razões foi não importar modelos, o que o PCP propõe para Portugal é uma "democracia avançada". Uma etapa: "não dizemos socialismo já" ressalva Jerónimo de Sousa, "entendendo isto como um processo onde, através da concretização da democracia política, económica, social e cultural e de independência nacional, sejam valores e parte de uma etapa que pretendemos para o nosso país".

 


Como as maiorias podem ser prejudiciais

A batalha das legislativas "é a prioridade das prioridades", porque "vai determinar muito da vida política do nosso país nos próximos anos". O PCP coloca todos os esforços nessa batalha. Deixa, por isso, para mais tarde as presidenciais. "Neste momento serve perfeitamente a nossa decisão do Congresso de que o PCP intervirá de modo próprio na batalha das presidenciais, tudo fazendo para que na Presidência da República fique alguém que cumpra e faça cumprir a Constituição".


Só a seguir às legislativas haverá uma decisão do PCP sobre o candidato. E, por isso, não falou de nomes, nem comentou o de Sampaio da Nóvoa. Não se pronunciou sobre candidatos a futuro Presidente, mas falou do actual. Cavaco Silva "deu expressão mais directa àquilo que dizia na campanha eleitoral: ‘eu quero ajudar’. Ajudou o Governo, ajudou os poderosos da União Europeia. Uma péssima presidência. É co-responsável na situação presente". Uma palavra ainda para dizer que é inaceitável as palavras de Cavaco Silva de que o futuro governo não pode deixar de ter o apoio maioritária da Assembleia. "O Governo resultará das maiorias que se formem na Assembleia da República e não por vontade do Presidente". Além disso, "sempre que o PS teve maioria absoluta, foi para fazer o que fez. O problema não está numa maioria absoluta, mas na política que se quer executar. Um Partido Socialista que na altura, da maioria absoluta, não fez apelos ao PCP. A sua concepção hegemónica levou a isso".


Exemplo de Cunhal deve ser seguido até na saída

Jerónimo de Sousa não pensa na sua sucessão enquanto secretário-geral do PCP, eleito pelo Comité Central. É a este órgão que cabe a decisão, mas "não tenho notado que haja qualquer movimento nesse sentido". Não é, no entanto, assunto tabu. "Gostaria de sair enquanto tenho condições físicas, intelectuais e políticas para o fazer". E dá como exemplo o "camarada Álvaro Cunhal" que podendo continuar por muito mais anos "ele próprio decidiu que era o momento de ser substituído".


A substituição será, acredita, tranquila. "É um colectivo partidário que decide", sustenta. Um dia sairá de secretário-geral, mas "continuarei a ser comunista, portanto, militante deste partido". A função não mudou Jerónimo de Sousa que atira a quem disse que seria um desastre para o PCP a sua ascensão a secretário-geral. "A verdade é que hoje, mesmo alguns que fizeram essa afirmação, descobriram que eu sabia ler, escrever, falar, intervir. E dançar também...", declara no Negócios. "Sou o que sou", diz com orgulho quem é olhado por vizinhos e pelas pessoas "como sendo um deles", mesmo não sendo do mesmo partido. "Ao fim destes anos todo de política sairei como entrei, mas com esta satisfação imensa. E isto não há dinheiro que pague".

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