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O ecossistema de inovação em Portugal evoluiu significativamente nas últimas décadas, mas ainda enfrenta desafios estruturais na ligação entre conhecimento académico e aplicação prática. "Mudámos muito e crescemos muito nesta área, mas ainda há muito para fazer, muito para aprender", afirma Sílvia Garcia, administradora da Agência Nacional de Inovação (ANI) e membro do júri do Prémio Nacional de Inovação, no InovCast, o podcast do Prémio Nacional de Inovação.
A verdade é que Portugal não é o que era há 20 anos e um dos avanços mais relevantes foi a mudança de mentalidade impulsionada por políticas públicas, tornando o ecossistema de inovação mais dinâmico e colaborativo. No entanto, a dificuldade em converter conhecimento em soluções comercializáveis continua a ser um entrave.
"A investigação sai das universidades e começa agora a ter mais impacto social e na economia", reconhece sublinhando que ainda há um longo caminho a percorrer, nomeadamente a "aprendermos a inovar ao nível das universidades e das empresas".
A necessidade de melhorar a colaboração entre empresas, universidades e administração pública é um dos desafios centrais destacados pela responsável. "Temos de acelerar esta colaboração para que o ecossistema funcione melhor, de forma mais rápida e com processos mais ‘lean’", sustenta Sílvia Garcia. Para isso, defende a desburocratização e a harmonização da linguagem entre academia e mercado.
É necessário haver equipas de inovação
Outro dos entraves à inovação prende-se com a pressão pelos resultados imediatos, o que faz com que muitas empresas adiem projetos inovadores. "A inovação, como não traz resultados imediatos, acaba sempre por ser colocada em segundo plano", afirma Sílvia Garcia. Para ultrapassar esta barreira, a responsável defende a criação de equipas especializadas dentro das empresas, capazes de identificar oportunidades e facilitar a adoção de tecnologias emergentes.
Segundo ela, as grandes empresas estão na linha da frente da inovação, "porque têm capacidade de investimento e podem criar os seus próprios núcleos de investigação e desenvolvimento" e há exemplos que se evidenciam, como a EDP e a Galp. No entanto, na sua opinião algumas PME também têm conseguido avançar, sobretudo através da colaboração com universidades e politécnicos.
Setores tradicionais também inovam
Setores como o calçado e a metalomecânica são exemplos de indústrias que já iniciaram um percurso de inovação. Para acelerar este processo, Sílvia Garcia destaca a importância de uma formação mais integrada. Segundo ele, as universidades de gestão devem ensinar sobre investigação, e as faculdades de ciências devem incluir disciplinas de empreendedorismo e gestão. "Na verdade, não existem muitos programas que promovam a ligação destes dois mundos e eles são muito importantes para que se acelere a introdução do conhecimento na economia" assume Sílvia Garcia.
Alinhamento europeu e burocracia: desafios urgentes
Durante anos, o ecossistema europeu de inovação esteve ligado aos EUA, destino natural para muitas startups portuguesas. Para a administradora da ANI, a Europa demorou a reagir porque "não sentia a ameaça que agora temos". "E, de repente, mudou tudo", sustente Sílvia Garcia. O relatório Draghi apontava um défice de inovação na Europa, e contribuiu para acelerar o debate em torno da competitividade europeia. Para a responsável, "inovar não é só uma questão de competitividade, já é uma questão de sobrevivência e, claramente a Europa está alinhada com isso".
Políticas públicas para capacitar as empresas
Sílvia Garcia reconhece que as políticas públicas de apoio à inovação evoluíram, mas ainda são insuficientes, estando "até há pouco tempo, muito focadas na investigação e desenvolvimento, e menos no passo seguinte: transformar conhecimento em produto". Para esta responsável, as políticas de investigação e desenvolvimento têm que continuar a acontecer, porque é o que cria a diferença, mas também é necessário começar a apostar em alargar o espectro, em dar alguma capacitação às empresas. "Existe bastante financiamento para a investigação e desenvolvimento e até para a própria inovação, o que acontece ainda é que há uma fraca capacidade de executar", sustenta a especialista.
Sobre o futuro do SIFIDE, que termina em 2025, Sílvia Garcia adianta que "se está a pensar no próximo ciclo, mas ainda numa fase inicial". A verdade é que existem vários outros programas que podem e estão a ser aproveitado. Portugal captou mais de mil milhões de euros através do Horizonte Europa desde 2021. "Os fundos europeus não só financiam a inovação, mas também promovem a internacionalização através de projetos colaborativos", afirma a responsável, que considera que os projetos desenvolvidos sob esta lógica evoluem até à fase de protótipo e, posteriormente, ganham fôlego através de acordos entre os diferentes intervenientes, permitindo escalar as soluções para a produção industrial.
Um dos mecanismos que suporta esta evolução é o Portugal 2030, um fundo da Coesão financiado pela União Europeia, mas sob gestão nacional. Neste contexto, a ANI desempenha um papel determinante, gerindo Programas de Investigação e Desenvolvimento (I&D) e, mais recentemente, as chamadas "mini-agendas". Este novo programa permite um percurso completo da investigação até à fase de produção, respondendo à necessidade de prolongar o impacto da inovação para além do desenvolvimento teórico.
Há dinheiro, mas é preciso aplicá-lo bem
Atualmente, o investimento elegível nos programas de I&D financiados pela ANI atinge os 352 milhões de euros, um montante mobilizado por consórcios que integram instituições académicas e empresas. Desde o lançamento do programa, em 2023, já foram financiados 248 milhões de euros, refletindo um crescimento sustentado das candidaturas e do interesse no financiamento da inovação. Portugal também tem procurado impulsionar a indústria através de programas específicos, como as Agendas Mobilizadoras e as Agendas Verdes. Estes programas são particularmente relevantes no apoio a setores industriais, promovendo a integração de soluções inovadoras e sustentáveis na cadeia de produção.
O investimento total envolvido nestas Agendas ronda os 7 mil milhões de euros, dos quais cerca de 2 mil milhões são financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Apesar de a ANI não gerir diretamente estes programas, participa no acompanhamento técnico e na avaliação da sua execução, garantindo que os recursos sejam aplicados de forma eficaz. O grande desafio, no entanto, reside na capacidade de execução dos projetos e na organização dos diferentes intervenientes para maximizar os benefícios dos financiamentos disponíveis.
Muitas empresas queixam-se da burocracia no acesso aos financiamentos e Sílvia Garcia concorda, mas relembra que muitas das regras impostas não são exclusivamente definidas a nível nacional, mas sim orientadas pela Comissão Europeia. Um dos principais objetivos dessas regras é garantir que os fundos são aplicados corretamente, evitando fraudes e, sobretudo, o duplo financiamento. Assim sendo, a redução da burocracia implica um menor controlo, o que segundo Sílvia Garcia pode aumentar o risco de fraudes. "A solução está em encontrar um equilíbrio entre a eficiência na execução e a fiscalização adequada", recomenda a administradora da ANI.
Para quem deseja inovar, o primeiro passo é acreditar no seu projeto e na sua capacidade de concretização. Ter uma ideia inovadora é apenas o início. Sílvia Garcia afirma que inovar exige resiliência e trabalho em rede. "Primeiro de tudo, é preciso acreditar no sonho. E é preciso ter capacidade de concretização. Temos de criar rede, sozinhos não vamos a lado nenhum, é impossível", conclui.