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"O ecossistema português de inovação em saúde, da saúde digital à biotecnologia, é dinâmico, está em franco crescimento e conta com profissionais altamente qualificados", garantiu ao Negócios Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal. Com uma visão otimista sobre o setor, o responsável salienta a produção científica relevante que se desenvolve num ambiente colaborativo entre a academia e as empresas, "no qual prolifera um conjunto cada vez mais relevante de empresas com posicionamento global, destacando-se uma dinâmica muito promissora de startups de base tecnológica".
Diretor Executivo do Health Cluster Portugal
Este dinamismo não dispensa a definição de vetores estratégicos que garantam a competitividade do setor a longo prazo. Nesse sentido, o Health Cluster Portugal (HCP) identifica três fatores críticos de sucesso para a biotecnologia: o reforço do financiamento, o alinhamento entre a investigação e as reais necessidades de mercado e a capacidade de assimilar (ou endogeneizar) as boas práticas reconhecidas tanto a nível nacional como internacional.
Quando questionado sobre o papel do HCP na criação de pontes entre a investigação académica e a aplicação clínica, tendo em conta os desafios de competitividade global, Joaquim Cunha salienta que "é hoje claro o diagnóstico que aponta a menor capacidade em saber valorizar o conhecimento - no caso da saúde, transformando-o em produtos e serviços que vão de encontro às efetivas necessidades do mercado, ou seja dos cidadãos e, em particular, dos doentes - como o grande ponto fraco do nosso país e, de uma forma geral, da Europa, em termos da sua competitividade global".
Health Project Manager da Associação Portuguesa de Bioindústria
Na mesma linha de colaboração e articulação do setor, Miguel Mondragão, Health Project Manager da P-BIO - Associação Portuguesa de Bioindústria, sublinha "o papel crucial da associação no apoio às empresas portuguesas de biotecnologia, especialmente nas áreas de financiamento e internacionalização".
No que respeita às tendências que considera mais promissoras no ecossistema de biotecnologia e inovação em saúde em Portugal, Miguel Mondragão aponta várias áreas em destaque: "A biotecnologia marinha tem ganho relevância, com projetos focados no desenvolvimento de novos produtos e processos sustentáveis a partir de recursos marinhos. A saúde digital e a medicina de precisão também têm registado avanços significativos, impulsionados por startups e spin-offs que introduzem soluções inovadoras no mercado." Sublinha ainda os progressos na "medicina personalizada, terapias para cancro e doenças crónicas, bem como para doenças infeciosas", além dos desenvolvimentos na área da alimentação - "com produção de novas fontes de proteína a partir de fermentação bacteriana ou da produção de insetos, agricultura celular e novas soluções nutracêuticas".
Diretora do EIT Health InnoStars Portugal
Para reforçar ainda mais a colaboração entre indústria, academia e entidades reguladoras, Miguel Mondragão salienta que a P-BIO "lançou o plano estratégico Portugal Bio-Saúde 2030, que visa posicionar o país como um centro de investigação e desenvolvimento em biotecnologia e ciências da vida".
Forte envolvimento com parceiros
Quanto aos programas e iniciativas que estão a decorrer em Portugal e na Europa, Marta Passadouro, diretora do EIT Health InnoStars Portugal, destaca "o apoio ativo da União Europeia ao crescimento das startups, nomeadamente através de agências como o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia e, no setor da inovação na saúde, através do EIT Health". O foco está em "acelerar a entrada no mercado das inovações no setor da saúde, fornecendo apoio financeiro, orientação e oportunidades de trabalho em rede".
Segundo a responsável, este objetivo é cumprido "através de um forte envolvimento com os nossos parceiros. Em Portugal, esta rede está em constante expansão e inclui hospitais, centros de investigação, instituições académicas e líderes da indústria, todos trabalham em conjunto para impulsionar a inovação através da colaboração".
Um dos programas de aceleração mencionados por Marta Passadouro é o InnoStars Awards, "concebido para startups na fase de MVP/protótipo ou para aquelas que se preparam para as rondas de financiamento seed ou Série A". A par deste programa, o EIT Health desenvolve, entre outros, o InnoStars Connect, baseado em desafios reais do setor, onde se reúnem "startups e grupos de investigação para resolver problemas definidos por líderes estabelecidos da indústria". Para além de tais iniciativas, a InnoStars SPICE "tem como objetivo acelerar a comercialização de inovações na área da saúde, fornecendo serviços especializados que ajudam as empresas a navegar com sucesso nos processos regulamentares, a efetuar validação clínica e a comercializar os seus produtos".
Com este conjunto de programas, o EIT Health visa "fazer da Europa um líder mundial na inovação dos cuidados de saúde, ajudando a introduzir mais rapidamente no mercado soluções de ponta no domínio das tecnologias da saúde". Para além disso, "reforçam o ecossistema nacional de inovação em geral, promovendo a colaboração entre empresas em fase de arranque, investidores, instituições de investigação e prestadores de cuidados de saúde, assegurando que a Europa se mantém na vanguarda dos avanços da tecnologia médica, da biotecnologia e da saúde digital".
No que diz respeito às conquistas do EIT Health na área da inovação em biotecnologia, Marta Passadouro salienta que "o setor dos cuidados de saúde é um dos mercados mais valiosos e de crescimento mais rápido, mas também um dos mais complexos devido a requisitos regulamentares rigorosos. O nosso objetivo é ajudar as empresas em fase de arranque de tecnologia médica e de saúde digital a superar estes desafios, acelerando simultaneamente a sua entrada no mercado". Através de iniciativas como o Regional Innovation Scheme (RIS) do EIT Health, foram apoiadas "centenas de startups promissoras em toda a Europa, fornecendo-lhes as ferramentas necessárias para dar vida às suas inovações".
Em Portugal, realça-se o exemplo de empresas como a Beat Therapeutics, a BestHealth4U (BH4U), a C-mo Medical, a Clynx, a iLoF e a NU-RISE, que obtiveram "financiamento crucial, formação empresarial e acesso a investidores". Entre os casos de sucesso, a iLoF "melhorou as taxas de sucesso dos ensaios na investigação da doença de Alzheimer, reduziu os custos de rastreio em 40% e expandiu-se a nível mundial, assegurando um financiamento de 14 milhões de euros". Já a BestHealth4U "garantiu 4,25 milhões de euros em subvenções combinadas e financiamento de capital através do programa EIC Accelerator, para fazer avançar o seu revolucionário adesivo médico sem cola, o Bio2Skin".
Diretora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa
Para investigadores e empreendedores portugueses, a diretora do EIT Health InnoStars Portugal defende que o EIT Health oferece "uma oportunidade inigualável de aceder a financiamento, orientação e exposição internacional". Participar nos programas propostos "permite aceder a uma rede europeia robusta, acelerar a inovação e garantir os recursos necessários para expandir as soluções a nível global", impulsionando o crescimento económico e melhorando, em simultâneo, os cuidados de saúde para milhões de pessoas em toda a Europa.
Um estímulo ao compromisso entre empresa e academia
Na tão "reclamada" ligação entre a academia e o setor empresarial, Paula Castro, diretora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, destaca que naquela instituição "vive-se uma cultura de colaboração entre a investigação e o setor empresarial desde o primeiro ano das licenciaturas até ao final dos doutoramentos. Estimulamos nos alunos o espírito empreendedor através da participação em concursos e outras atividades nacionais e internacionais, da integração em projetos de investigação aplicada e do apoio ao desenvolvimento de ideias de negócio".
Esta cultura de inovação traduz-se num "ecossistema sintonizado em investigação e inovação, onde o nosso centro de investigação desenvolve ciência muito aplicada, mantendo ligações ativas com mais de 100 empresas e dezenas de projetos nacionais e internacionais - dos quais cerca de metade são em cooperação com a indústria". Paula Castro explica que "o ambiente de proximidade natural leva a que muitos alunos sintam que é objetivo central dos seus estudos contribuírem para soluções práticas, muitas delas na área da saúde".
Docentes na Escola Superior de Tecnologia do Barreiro
Como exemplo, cita o projeto ReSkin: "Desenvolvido pela investigação dos nossos alunos e investigadores, envolve uma parceria com a empresa Cortadoria Nacional do Pêlo e conta com o apoio do Hospital São João. O objetivo é criar um substituto de pele humana a partir da derme de coelho, criando uma alternativa viável para tratar queimaduras graves, reduzindo a dependência de dadores e minimizando o risco de rejeição imune". O ReSkin foi reconhecido com o Prémio Alfredo da Silva/COTEC ‘Inovação Tecnológica, Mobilidade e Indústria’, que valorizou o seu potencial impacto tecnológico e social. A diretora acrescenta ainda que "há já um pedido de patente em copropriedade com a empresa, um passo central na transferência tecnológica e geração de valor".
Biotecnologia tem papel essencial
Quanto às áreas de formação e investigação mais relevantes para responder às necessidades atuais da indústria de biotecnologia e do setor da saúde, Marta Justino e Gabriela Gomes, docentes na Escola Superior de Tecnologia do Barreiro, sublinham que "a biotecnologia tem um papel essencial nas indústrias da saúde e do ambiente, respondendo a desafios globais e locais com inovações tecnológicas e científicas". A licenciatura em Biotecnologia oferecida no Politécnico de Setúbal (IPS), em particular na ESTBarreiro, reflete estas necessidades, garantem as docentes, preparando profissionais para a biotecnologia moderna e dando ênfase à formação prática e aos projetos de investigação aplicados.
Durante a pandemia de Covid-19, o IPS montou um laboratório de análises e rastreio - o IPS Covid Lab, dirigido tecnicamente por Marta Justino em colaboração com Gabriela Gomes -, tendo sido rapidamente acreditado e aberto à comunidade em geral. "Os técnicos deste laboratório foram diplomados de Biotecnologia", referem, acrescentando que "o laboratório proporcionou uma valiosa experiência formativa para os estudantes da Licenciatura em Biotecnologia, que realizaram os seus estágios curriculares no local, ganhando competências essenciais em diagnóstico molecular e práticas laboratoriais rigorosas". O projeto evoluiu para o One Health Molecular Genetics Lab, um laboratório de investigação que adota o conceito One Health para abordar o aparecimento de novos vírus em outras espécies animais, a monitorização ambiental de agentes patogénicos, bem como o desenvolvimento de métodos de diagnóstico e rastreio de mutações genéticas humanas.
Além de áreas como a biotecnologia molecular, a engenharia genética, a microbiologia aplicada e o diagnóstico molecular, a ESTBarreiro/IPS inclui também a biotecnologia ambiental e a sustentabilidade no seu plano curricular. "O IPS não se dedica ao desenvolvimento de fármacos, mas tem um forte foco na criação de processos de análise e metodologias de diagnóstico", explicam as docentes, reconhecendo que tecnologias de DNA e RNA recombinante, que impulsionaram inovações como as vacinas de mRNA durante a pandemia, fazem igualmente parte integral do programa.
Em paralelo, o Politécnico de Setúbal tem investido em parcerias estratégicas para promover a inovação e o empreendedorismo em biotecnologia. "Um dos pilares da formação no IPS é o estágio curricular ou o projeto final", salientam. Este modelo de ensino cria "um contacto direto com o mercado de trabalho ou com atividades de investigação, proporcionando aos estudantes a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos e de se envolver em projetos reais". A ESTBarreiro/IPS colabora com uma vasta gama de empresas e organizações de investigação, com vista à transferência de conhecimento e ao desenvolvimento de soluções inovadoras - é o caso, por exemplo, do projeto europeu H2030-REDWine, em parceria com a AVIPE, que investiga soluções biotecnológicas para o aproveitamento de resíduos vitivinícolas, num esquema de economia circular.
Para além disso, iniciativas de empreendedorismo como o Poliempreende e a colaboração com a StartUp Barreiro incentivam a criatividade e o espírito empreendedor entre os estudantes, favorecendo a ligação entre a academia e o setor empresarial. "Essas iniciativas são fundamentais para fomentar a transformação de ideias inovadoras em projetos concretos", concluem as docentes, reforçando o papel do IPS na formação de profissionais capazes de dar resposta aos desafios da saúde e do ambiente, contribuindo para o avanço tecnológico, social e económico do país.