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A força da colaboração entre academia e indústria

Navegamos num mundo onde a inovação é um marco essencial, mas alcançá-la exige uma abordagem colaborativa que transcende fronteiras industriais e dimensionais. O que é necessário para cultivar um ecossistema de inovação bem-sucedido?

Susana Marvão 19 de Abril de 2024 às 12:30
Manuel Andrade, Carla Patrocínio, Carlos Marçalo, Joana Rafael e Gil Azevedo.
Manuel Andrade, Carla Patrocínio, Carlos Marçalo, Joana Rafael, e Gil Azevedo. D.R.
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Vivemos num mundo complexo, interligado, onde é fundamental reconhecer que a inovação raramente se alcança de forma isolada. Pelo contrário, a inovação desenvolve-se quando diferentes perspetivas e conhecimentos se unem num ecossistema colaborativo. Mas, como a colaboração entre empresas de diferentes setores e dimensões geram sinergias que aceleram o ritmo da inovação? O que é efetivamente preciso para criar um ecossistema de inovação de sucesso?

O Instituto Superior Técnico, a Fábrica de Unicórnios, a Sensei e a Galp são um dos exemplos de como entidades de diferentes dimensões e distintas áreas de atuação podem criar um ecossistema no qual a inovação se materialize num caso de sucesso, aportando valor não só às partes envolvidas, mas ao consumidor final. “Na Galp, temos projetos com a Sensei, empresa que criou uma tecnologia para o retalho que permite às lojas físicas transformarem-se em espaços autónomos, sem a necessidade de fazer ‘scan’ aos códigos de barras de produtos, esperar em filas para caixas registadoras ou mesmo fazer pagamentos físicos”, comentou Manuel Andrade, coordenador de Open Innovation da Galp no debate integrado no Prémio Nacional de Inovação, uma iniciativa do Jornal de Negócios, do BPI e da Claranet. A loja está instalada precisamente no IST, parceiro da energética, que mantém igualmente uma forte ligação à Fábrica de Unicórnios. “Acho que esta colaboração, esta abertura e vontade de trabalhar em conjunto ajuda a fazer um ecossistema de sucesso”, salientou Manuel Andrade.

Do ponto de vista da academia, um dos grandes desafios é conseguir aportar valor na transferência da tecnologia a aceleração de inovação uma vez que as universidades em si mesmas têm igualmente de manter o foco no ensino e na investigação. “Para nos concentrarmos neste terceiro pilar, que é a transferência de tecnologia, muito orientado para a aceleração de inovação, temos que, no fundo, ter as outras duas vertentes muito bem estruturadas”, comentou Carla Patrocínio, coordenadora da Área de Transferência de Tecnologia do Instituto Superior Técnico (IST). “Reconhecemos e temos vindo a trabalhar muito no sentido de criar estas sinergias, alinhando a linguagem e o tempo que existe entre a academia, as empresas e os restantes elementos do ecossistema”. Algo que nem sempre é fácil de alcançar, diz a responsável, até porque os estudantes “estão preocupados em terminar as suas formações e os professores empenhados em ensiná-los e prepará-los para a transição para o mercado de trabalho”. Carla Patrocínio salientou ainda que a linguagem mais académica tem vindo a ter uma notória evolução, precisamente fruto destas parcerias e da abertura das universidades ao mercado. “O técnico foi erguido com o objetivo de criar relações com a indústria e com as empresas”.

Universidade e aceleradoras unem esforços

A Sensei é um spin-off que nasceu no seio do Instituto Superior Técnico, com os quatro fundadores a terem estudado no IST. “Quando pensámos a Sensei, estávamos no programa MIT Portugal, uma parceria exatamente do Técnico com o Massachusetts Institute of Technology que fomenta a parte do empreendedorismo”. O ecossistema na criação desta startup passou igualmente pela Católica Business School, pela aceleradora Techstars e pela Fábrica de Unicórnios. “Acho que este percurso é bastante importante: universidade e aceleradoras para depois conseguir ter os primeiros investidores, os primeiros clientes, como é o caso da Galp. Acredito que este ecossistema, o trabalhar em conjunto, é o que dá origem a toda a dinâmica que uma startup vai conseguindo alcançar”, exemplificou Joana Rafael, Chief Operacional Officer da Sensei.

Classicamente, a Fábrica de Unicórnios é uma incubadora de startups, acabando por desempenhar o papel de apoiar novos projetos, encontrar financiamento e mesmo apoiar na conquista dos primeiros clientes. Nos últimos dois anos, sustentado na perspetiva de projetar Lisboa como uma das grandes capitais de inovação, este projeto deu um passo ativo no papel de ligar os players que fazem parte deste ecossistema – academia, empresas, investidores e as próprias startups. “Gosto de usar a analogia dos grãos de areia. Podemos ter uma mesa cheia de grãos de areia afastados, que mal se nota. Mas se começarmos a agregar os grãos de areia, começamos a criar um monte que é bastante visível. Esse é o nosso papel, o de conseguir ser agregador, facilitador, mas mantendo dentro da nossa génese o apoiar as startups e apoiar as empresas a internacionalizarem-se e a crescerem. Todos estes players têm um papel fundamental, sem um deles não funciona. Nós temos essa responsabilidade”, enfatizou Gil Azevedo, executive director da Fábrica de Unicórnios.

O Instituto Superior técnico tem vários modelos de colaboração que permitem às empresas integrarem a academia, seja no desenvolvimento da componente de aceleração de inovação, seja porque querem ter uma visão mais integrada daquilo que é a relação entre a academia e a indústria e que não se cinge apenas ao desenvolvimento de produtos e à componente de aceleração de inovação. “Hoje, cada vez mais, as empresas preocupam-se nesta relação com a academia, com o recrutamento dos talentos. Até porque vão incorporar inovação dentro das empresas, não necessariamente através da criação de uma startup, mas nos departamentos de inovação”

Na componente da aceleração de inovação, o IST tem um conjunto de iniciativas e atividades que podem ser desenvolvidas em conjunto com as empresas, por forma a estabelecer esta ponte entre a academia e aquilo que é, no fundo, o tecido empresarial em Portugal. “Por exemplo, promover concursos de ideias inovadoras que permitem trazer os desafios reais que as empresas têm para dentro da academia e colocar a nossa comunidade estudantil e de professores e investigadores a encontrar soluções. No fundo, criar estas pontes que depois permitem fazer essa aceleração”, referiu Carla Patrocínio.

Transição energética exige inovação

Um dos temas de inovação é a transição energética, com a Agência Internacional de Energia a admitir que faltam descobrir cerca de 35% das tecnologias necessárias para encetar este processo. Aliás, Manuel Andrade, não tem dúvida que “a transição energética é provavelmente o maior desafio que a humanidade enfrenta neste momento”, sustentando que conseguir descarbonizar completamente a economia do mundo vai ser muito complicado. “É uma transição que vai ser longa e complexa e que vai precisar muito de inovação. Muitas tecnologias ainda não estão nem escaladas, algumas nem descobertas e, portanto, hoje, diria que transição energética significa inovação. E nós temos isso muito claro”.

Manuel Andrade reforçou o trabalho com as universidades, nomeadamente com o técnico, desafiando os alunos e criar programas em que os estudantes resolvem desafios reais que a Galp enfrenta. “Essa ligação é muito importante e estamos a apostar cada vez mais em energias renováveis precisamente porque a transição vai ser longa e não vai ser só feita com eletrões, vai igualmente ser com moléculas. Costumamos dizer que nem tudo vai ser elétrico, vai continuar a ser preciso combustíveis, ou baixos em carbono, ou sintéticos, ou biocombustíveis. O próprio hidrogénio vai ser muito importante para descarbonizar setores importantes da economia”. Tudo aposta que a Galp garante estar a fazer, tendo áreas muito específicas em que estão à procura do conhecimento nas universidades. “Estamos igualmente à procura de startups que nos ajudem com novas soluções e tecnologias que possamos vir incorporar no negócio para podermos vender a energia toda sem emissões”.

No debate, ficou claro que em ambientes empresariais e dinâmicos, a colaboração e a criação de ecossistemas de inovação é essencial para garantir o sucesso de uma organização.

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