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As PME estão no palco central da inovação

No âmbito da economia global, as pequenas e médias empresas são frequentemente negligenciadas, mas representam uma força de trabalho considerável e uma fonte de crescimento económico sustentado. Compreender o seu papel e impacto na economia europeia e portuguesa é fundamental para direcionar adequadamente os esforços de inovação.

23 de Junho de 2023 às 14:00
A falta de competências técnicas ou de gestão da inovação nas PME pode impedir a sua capacidade de identificar oportunidades de inovação.
A falta de competências técnicas ou de gestão da inovação nas PME pode impedir a sua capacidade de identificar oportunidades de inovação. Getty Images
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As pequenas e médias empresas (PME) são um segmento frequentemente negligenciado da economia. Na Europa existem aproximadamente 22,5 milhões de PME que empregam mais de 80 milhões de pessoas. Aliás, a Comissão Europeia considera-as o motor da economia do velho continente. Em Portugal, o panorama é semelhante. Segundo os dados disponíveis na Pordata, há 1.357.657 PME registadas em Portugal, que representam 99,9% do tecido empresarial nacional, destas, 96% são microempresas, 3,3% pequenas empresas e apenas 0,6% são médias estruturas.

Apesar dessa relevância em termos globais, são muitas vezes negligenciadas no sentido de não serem consideradas de crescimento suficientemente apelativo para atrair o amplo apoio liderado pelo capital de risco que alimenta aceleradoras e incubadoras.

Uma pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT) defende que, se o crescimento exponencial conseguido pelas startups não é desprovido de valor, também devemos evitar menosprezar o crescimento mais gradual almejado pelas PME, especialmente num cenário onde o crédito provavelmente não estará tão barato nos próximos anos.

Na Europa, cerca de 17% das PME investe em I&D e introduz novos produtos e serviços no mercado. São mais de 3,8 milhões as PME que inovam.
Um estudo do Banco Central Europeu (BCE) confirma que as grandes empresas inovam mais frequentemente e com mais sucesso do que as PME. No entanto, o documento identifica 17% das PME como inovadoras incrementais ou inovadoras líderes, ou seja, estavam a investir em I&D e a introduzir novos produtos e serviços no mercado. Em termos relativos, este pode ser um número pequeno, mas quando comparado com as cerca de 22,5 milhões de PME que operam em toda a Europa, é um número no mínimo interessante de empresas inovadoras, mais de 3,8 milhões de PME.

Obstáculos a superar

Embora a inovação seja considerada uma estratégia de negócios crucial para as PME, a sua implementação enfrenta uma série de obstáculos significativos. O reconhecimento e a superação desses obstáculos - sejam eles financeiros, de competências, culturais, de mercado, ou regulamentares - são passos fundamentais para promover uma cultura de inovação e para aproveitar o seu potencial para impulsionar a competitividade e o crescimento.

A promoção da inovação nas PME é um processo multifacetado que exige investimento em talento, colaboração estratégica, financiamento adequado e adoção de tecnologia.
O primeiro grande obstáculo são os recursos limitados. As PME, devido à sua menor escala, muitas vezes têm acesso limitado a recursos financeiros, humanos e materiais para investir em inovação. Esta falta de financiamento pode dificultar a capacidade de investir em pesquisa e desenvolvimento, contratar talento especializado, ou adquirir tecnologia avançada.

Por outro lado, muitas PME podem não ter o conhecimento ou a experiência necessários para inovar. A falta de competências técnicas ou de gestão da inovação pode impedir a sua capacidade de identificar oportunidades de inovação, de desenvolver soluções inovadoras, ou de implementar e gerir projetos de inovação.

Também uma cultura organizacional que não valoriza ou promove a inovação pode ser um obstáculo significativo. O medo do fracasso, a resistência à mudança, ou a falta de incentivos à inovação podem inibir a criatividade e a iniciativa, e impedir a adoção de novas ideias ou práticas.

As PME podem ainda enfrentar dificuldades em aceder a mercados e redes que podem apoiar a inovação, com o acesso limitado a clientes, fornecedores, parceiros, ou redes de inovação a restringirem as oportunidades para a colaboração, a formação, ou o crescimento do mercado.

Por último, a excessiva regulamentação e burocracia podem também ser obstáculos à inovação. A complexidade e o custo do cumprimento das regulamentações, ou a demora e a dificuldade nos processos burocráticos, podem desencorajar ou impedir as iniciativas de inovação.

No estudo do BCE, cerca de um terço das PME inovadoras citaram a tributação, as regulamentações e a disponibilidade de financiamento como um obstáculo ao seu desempenho e crescimento. Quando os analistas entrevistaram empresas maiores, essas preocupações eram menos aparentes, o que destaca talvez algumas áreas de apoio específico necessárias para que as PME inovadoras prosperem.

Os autores do estudo argumentam que uma possível intervenção seria fornecer subsídios públicos mais eficazes, especialmente para pequenas empresas jovens e inovadoras. Algo defendido pelos especialistas como sobejamente importante, pois mesmo que as empresas estejam dispostas a permanecer relativamente pequenas, ainda precisam de recursos financeiros para novas instalações ou para contratar novos funcionários, o que pode não ser possível apenas com base nas receitas orgânica.

Inovação em pequenas empresas

Um trabalho elaborado pela revista Forbes explorava ser particularmente comum ver pequenas empresas serem classificadas como de baixa tecnologia, hiperlocais e muitas vezes empregando apenas o fundador e família mais direta. Embora existam muitas empresas assim, seria um erro partir do princípio que as PME são um grupo homogéneo. Há muitas PME pioneiras em novas tecnologias, produtos e serviços. As PME estão frequentemente presentes em parcerias de inovação aberta com uma ampla gama de stakeholders. Um estudo da Comissão Europeia destaca que esse processo pode ser melhorado através de um apoio mais eficaz e identificou alguns desafios que impedem as PME de serem inovadoras eficazes.

O primeiro é a falta de pensamento estratégico. Embora houvesse um certo entendimento sobre propriedade intelectual (PI), relativamente poucas das PME que participaram na pesquisa tinham experiência interna em gestão estratégica de PI, o que pode apresentar desafios ao colaborar com outros parceiros, especialmente com organizações maiores, sejam empresas ou universidades.

Por outro lado, identificou a falta de competências de negociação, algo que pode ser ainda mais potenciado por uma falta geral de competências de negociação de PI, especialmente durante projetos de inovação aberta de alto risco.

O estudo explora ainda que talvez os maiores desafios enfrentados pelas PME sejam as assimetrias que existem como resultado das diferentes prioridades estratégicas entre os parceiros num projeto de inovação. Isso pode incluir diferenças de cultura, diferenças em formalidades legais, tolerância ao risco e até o ritmo geral de progresso.

Os desafios da inovação

Os produtores deste relatório fornecem três recomendações para ajudar as PME a superar estes desafios. A primeira prende-se com o desenvolvimento das competências e experiências relacionadas a questões de propriedade intelectual para permitir que as PME mergulhem com sucesso em projetos de inovação aberta. Dada a improbabilidade destas capacidades serem desenvolvidas internamente, a Comissão Europeia considera fundamental garantir que o acesso a especialistas independentes seja disponibilizado, enquanto se garante que um grau de formação rudimentar também seja fornecido.

O acesso a tal conhecimento, tanto de especialistas quanto de pares, poderia ser facilitado por plataformas digitais que permitem que tais conexões sejam feitas mais facilmente. "Recomendamos que a Comissão Europeia forneça uma plataforma digital para hospedar um grupo de especialistas em estratégia de propriedade intelectual e mercado e forneça uma instalação de aprendizagem entre pares digital e um esquema de mentoria para permitir a transferência de conhecimento de PME mais para menos experientes", explicam os investigadores.

O trabalho elaborado pela Forbes, destaca que este tipo de "apoio intangível" é o que Jonathan Haskel, do Imperial College London, e Stian Westlake, da Royal Statistical Society, acreditam ser fundamental para a economia moderna. No seu recente livro Restarting the Future, os autores argumentam que os fatores intangíveis são agora uma maior força motriz da economia do que os ativos mais tangíveis que dominaram grande parte da era industrial.

"A economia já não é sobre coisas físicas, como peças e maquinaria, é sobre coisas que não podemos tocar e sentir, como investigação e desenvolvimento, marcas e originalidade artística", explica Westlake.

Os autores argumentam ainda que grande parte do desempenho menos positivo da economia nas últimas décadas se deve à incapacidade das instituições que desempenham um papel central no apoio à inovação e ao crescimento económico de acompanhar a natureza mutável de ambos, inovação e crescimento. Embora as PME possam não ser alvos naturais destes apoios, dado o seu papel crucial na economia, é uma realidade que precisa mudar.

A promoção da inovação nas PME é um processo multifacetado que exige investimento em talento, colaboração estratégica, financiamento adequado e adoção de tecnologia. Embora os desafios sejam consideráveis, as recompensas - crescimento sustentado, competitividade aprimorada e maior resiliência - tornam a busca pela inovação uma jornada valiosa para as PME.
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