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As previsões da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicam que nos próximos 30 anos teremos de aumentar em 70% a produção de alimentos. Neste contexto, Joaquim Pedro Torres salientou o papel fundamental da agricultura no futuro de Portugal, realçando a importância de um maior investimento neste setor. Alertou ainda para a necessidade de aumentarmos os nossos níveis de produção agrícola e autoabastecimento alimentar, de forma a não dependermos de terceiros nem corrermos o risco de ter um défice de produtos alimentares.
O gestor é diretor-geral da Valinveste, empresa vocacionada para a produção agrícola, acompanhamento técnico em explorações agrícolas, elaboração de estudos e preparação de projetos de investimentos. É ainda o rosto e a alma da Agroglobal, uma das mais importantes feiras de agricultura em Portugal, que arrancou em 2009 e aplica a inovação, a ciência e a tecnologia à agricultura.
Joaquim Pedro Torres foi o convidado do jornalista João Ferreira no videocast Agricultura Agora | Conversas sobre Sustentabilidade, que realiza entrevistas no âmbito do Prémio Nacional de Agricultura (PNA). Esta iniciativa do BPI e da Cofina tem como missão dar voz e visibilidade à Agricultura em Portugal e conta ainda com o patrocínio do Ministério da Agricultura e o apoio da PricewaterhouseCoopers.
O que é que o impulsionou a criar a feira Agroglobal?
Achava que havia um défice nos eventos em que os agricultores se mostravam ao público em geral. Por vezes, eram eventos pouco profissionais e que levaram a que a imagem do agricultor fosse um pouco deturpada. Ele era visto como alguém que não estava muito bem preparado e que vivia de subsídios, o que do meu ponto de vista não corresponde à realidade. Por isso criámos um evento profissional, para promover o agronegócio, mas também para mostrar à sociedade em geral e aos políticos e governantes, em particular, as potencialidades do setor agrícola e aquilo que este pode dar ao nosso país. Acho que conseguimos cumprir esse objetivo.
Porque é que passou o testemunho da Agroglobal?
Estar à frente de uma feira daquelas requer uma energia que eu precisava de canalizar para as minhas outras atividades e a Agroglobal tinha ainda um potencial muito grande para desenvolver. A feira era realizada em pleno campo, o que por um lado era engraçado, porque as pessoas ficavam muito perto das culturas e da atividade dos agricultores. Por outro lado, havia alguns défices em termos de infraestruturas. Santarém tem o Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA), que pertence à principal organização dos agricultores, e que este ano vai organizar a Agroglobal, com o nosso apoio. Estou muito satisfeito com a decisão, entusiasmado com a forma como as coisas estão a correr, e muito esperançado na próxima edição da Agroglobal.
O que é que a agricultura tem para dar a Portugal?
Acho que a agricultura tem um potencial enorme para dar ao nosso país. As pessoas iriam ficar surpreendidas com o retorno que qualquer investimento na agricultura pode trazer. Daí a nossa preocupação em transmitir esta mensagem aos governantes. Começando por um retorno financeiro. Somos um país pobre, com uma dívida global muito grande, um défice agroalimentar de 3,5 mil milhões anual, e, portanto, temos de fazer tudo o que é possível para o reduzir ou mesmo eliminar. Estamos a falar de um défice alimentar, e, como o passado recente nos tem demonstrado (com a pandemia e a guerra), não podemos dar nada como garantido. É prudente aumentarmos os nossos níveis de autoabastecimento alimentar, porque a qualquer momento pode - ou poderia ter havido - ruturas nas cadeias de produção e de abastecimento, levando a um défice de produtos alimentares. É uma situação perigosa.
Tendo em conta a rapidez com que a população mundial está a aumentar, vamos rapidamente ter de fazer disparar a produção de produtos agrícolas?
Exatamente. Não nos podemos demitir, enquanto país, dessa responsabilidade. As previsões da FAO apontam para que nos próximos 30 anos tenhamos de aumentar em 70% a produção de alimentos. Para não falar que um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) é erradicar a fome no mundo. Temos de ter presente estes dois desafios e só a agricultura é que lhes pode dar resposta. Quanto ao impacto ambiental, não vejo nenhum setor que possa contribuir para reordenar este país e evitar a concentração de pessoas e investimento no litoral.
Tem, portanto, a profunda convicção de que é através da agricultura que Portugal pode, de uma vez por todas, resolver o problema da desertificação territorial?
A atividade agrícola, só por si, fixa as pessoas à volta dessa atividade, e, se ela for consistente, desenvolve-se um outro conjunto de economias regionais, que começam por ser de apoio ao setor agrícola, e que depois se desenvolvem para outras áreas. O exemplo mais evidente que temos neste país e do qual nos devíamos orgulhar , o que muitas vezes não acontece, foi o caso do Alqueva.
Como é que a barragem do Alqueva foi exemplo?
O Alqueva agarrou na região do Baixo Alentejo que definhava, porque a sua atividade agrícola não era eficiente nem competitiva, e depois de uma obra de rega extraordinária, originou uma enorme reconversão na agricultura, fazendo hoje do Alqueva um exemplo mundial. Penso que nos últimos 10 anos o investimento no setor agrícola naquela área ultrapassou os 2 mil milhões de euros, excluindo a aquisição de terras, considerando apenas o investimento realizado sobre a terra para melhorar o seu potencial produtivo. A atividade económica que isto gera é gigante, contribuindo para o funcionamento de serviços e o aumento do turismo numa região que tinha muito pouco.
Este milagre do Alqueva pode ser repercutido noutras zonas de Portugal?
Pode e deve. Só o exemplo em si já promoveu algumas situações, mas é insuficiente. Ainda em relação ao impacto da agricultura nas zonas interiores, é importante referir a questão dos incêndios. É perfeitamente sobreponível a carta do nosso país em que reflete o abandono agrícola e ao mesmo tempo um aumento exponencial dos incêndios. Só o controlo dos agricultores das zonas interiores pode impedir o crescimento desordenado do mato que depois dá origem à matéria combustível que origina os incêndios.
Ao longo destes 13 anos da Agroglobal, que contou sempre com a presença de vários dirigentes políticos ?– como o ministro do Ambiente, o da Agricultura e o primeiro-ministro – transmitiu-lhes estas suas convicções?
Sim, com toda a força, e na maior parte dos casos eram bem aceites. Mas ,como há pouco li, "as coisas que interessam ao país não dão votos" e o facto é que as coisas que dão votos não interessam tanto ao país. Por isso temos de conquistar a opinião pública e sensibilizá-los para este papel que a agricultura pode desempenhar. Só depois disso é que seremos capazes de reivindicar, junto dos políticos, que façam as obras infraestruturais que o nosso setor agrícola precisa.
Desde 2009 até hoje, já houve algum conselho que tenha dado à classe política dirigente que tenha sido posto em prática?
Na realidade, as obras mais importantes têm sido permanentemente adiadas. Temos de pensar que, ou atuamos, ou se calhar algum dia teremos de viver de acordo com a nossa capacidade produtiva, e não contar tanto com os outros como contamos agora. A nossa conquista da opinião pública tem de começar por um escrutínio ambiental à agricultura. As pessoas podem estar perfeitamente tranquilas de que a agricultura da Europa é líder em cuidados ambientais e segurança alimentar. Preocupa-se com a redução de substâncias ativas para proteção das culturas, usa menos fertilizantes e é uma agricultura biológica por decreto. E com medidas muito mais rigorosas do que noutros países muito eficientes em termos de produção, dos EUA ao Canadá.
Qual é o lado negativo da agroecologia?
Em mercado aberto, ao impormos uma agroecologia exagerada estamos a retirar capacidade competitiva às empresas europeias, importamos produtos de países onde não existe tanto rigor, e não protegemos a nossa economia. Os fundamentalistas ambientais têm de ter a consciência de que tudo o que se faz tem impactos. Por exemplo, o ponto essencial da nossa agricultura é a irrigação. Sendo um país mediterrânico, sem irrigação não podemos ter agricultura competitiva. Portanto, é preciso guardar água, transportar água, e termos recursos hídricos em larga quantidade para podermos aumentar a nossa área irrigada. Dizem que os rios devem correr livres. Alguém se preocupa que o Zêzere tenha Castelo de Bode, de onde bebem água mais de 3 milhões de pessoas em Lisboa? Tudo tem impacto e é preciso estudar a relação custo e benefício.
Considera que não há falta de água em Portugal?
Utilizamos menos de 10% dos nossos recursos hídricos disponíveis. Ou seja, os nossos recursos hídricos provenientes das escorrências superficiais, reservas subterrâneas e daquilo que provém de Espanha só são aproveitados pela indústria e população em 10%, ou seja, cerca de 6 mil hectómetros cúbicos, dos 60 mil que temos disponíveis em agricultura. Temos este excedente. Se aplicarmos a projeção mais drástica de alterações climáticas, baseando-nos em números oficiais, caso houvesse o fecho da torneira proveniente de Espanha não ultrapassávamos os 20%. A agricultura não gasta água, as plantas apenas utilizam a água e devolvem-na à atmosfera purificada, no seu ciclo. A água é um recurso renovável, ninguém a consegue destruir. Não precisamos de tanto excedente, até porque depois entram outros fatores limitantes à irrigação. As plantas têm um potencial produtivo porque temos elevados níveis de radiação solar e elas são bastante mais eficientes nesse aproveitamento solar do que os painéis fotovoltaicos. Temos recursos de água para fazer barragens que, para além de reter as cheias, da irrigação e da prevenção das alterações climáticas, podiam ser também uma bateria energética renovável e limpa, indispensável para compensar as energias intermitentes.Veja aqui o videocast