- Partilhar artigo
- ...
A barragem do Alqueva é um oásis em desenvolvimento com uma eficiência de mais de 90% no sistema de distribuição. Para explicar o caso de sucesso do maior reservatório artificial de água na Europa, o convidado de João Ferreira no videocast Agricultura Agora | Conversas sobre Sustentabilidade foi José Pedro Salema, Presidente da EDIA, Empresa da Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva.
A propósito do fenómeno extremo das cheias de dezembro que devastaram Lisboa, José Pedro Salema lembrou o efeito positivo que tiveram no armazenamento de água no Alqueva e os consequentes benefícios para a agricultura.
As entrevistas do Agricultura Agora | Conversas sobre Sustentabilidade realizam-se no âmbito do Prémio Nacional de Agricultura (PNA), uma iniciativa do BPI e da Cofina que tem com objetivo premiar os agricultores e as empresas portuguesas que se destacam no setor da agricultura em Portugal e que conta ainda com o patrocínio do Ministério da Agricultura e da Alimentação e com o apoio da PriceWaterhouseCoopers.
Depois desta época de chuva abundante, como é que se encontra o Alqueva?
O Alqueva está a subir muito bem. Tivemos fenómenos extremos, com as cheias em Lisboa e no Alto Alentejo, mas a desgraça de alguns às vezes é a sorte de outros. Estas cheias são o ouro dos agricultores alentejanos nos próximos anos, com cerca de 400 milhões de metros cúbicos de água armazenados no Alqueva apenas nos primeiros dias. Portugal gasta anualmente 600 milhões no abastecimento público, por isso estamos perante números impressionantes.
Associado ao sistema de rega do Alqueva, existe uma perda de água extremamente reduzida. É praticamente o melhor do mundo em termos de eficácia?
Sem dúvida. É um sistema de distribuição essencialmente para a agricultura, mas é parecido com o que temos em Lisboa, dentro de tubos fechados. Isso não é habitual na agricultura, cujos sistemas tradicionais utilizam apenas a gravidade e distribuem a água em canais abertos que têm perdas de 30 a 40% por evaporação, infiltração e ainda no fim de linha. O sistema de distribuição do Alqueva tem perdas muito reduzidas, na ordem dos 5%, em linha com os melhores sistemas de distribuição de água, com uma eficiência de pelo menos 90%.
Hoje com estes cenários ambientais extremos, as regas não deviam ser feitas com águas residuais?
Sim, não faz sentido gastarmos uma fortuna a tratar a água e depois usá-la para lavar caixotes de lixo. Para além da rede de esgotos e de água tratada, temos de ter outra rede de distribuição intermédia, paralela. Esta já existe nalguns espaços da capital, mas a agricultura e os grandes usos não estão em Lisboa. E é muito dispendioso levar essa rede até lá.
O agricultor está a ficar cada vez mais consciente destas necessidades de proteger o ambiente. Nas grandes herdades já existem especialistas que informam os agricultores, a bem da eficácia máxima da água, que num determinado hectare é preciso uma certa quantidade de água. Isto já é uma realidade em muitas herdades?
O Alqueva é um oásis de desenvolvimento porque os seus projetos têm quase todos menos de 10 anos e como tal utilizam tecnologia do século XXI. Para além de existirem muitas empresas de aconselhamento de rega a trabalhar em Alqueva, há serviços gratuitos que fornecem informação pertinente e ainda censores de humidade que dizem até onde está a chegar a água que estamos a distribuir. Estes sabem, consoante a espécie, a que profundidade deve chegar a água e fazem a rega até esse momento, utilizando apenas o necessário. Assim não existem escoamentos, erosões ou consumos adicionais, poupa-se na água, e por acréscimo no adubo e na energia.
O que significa exatamente o "consumo científico da água" por parte dos agricultores?
É precisamente a utilização da informação meteorológica real e local, com dados das plantas e conhecimento da fisiologia de cada espécie que estamos a regar, para garantir que a quantidade de água que fornecemos ao solo é aquela que a planta efetivamente precisa. Por exemplo, no pico do verão, as oliveiras não precisam praticamente de água, porque conseguem ter mecanismos naturais, numa espécie de hibernação, em que não gastam muita energia. Nesse momento é possível poupar água. Pelo contrário, na floração e frutificação temos de fornecer mais água.
O Alqueva é um oásis de desenvolvimento porque os seus projetos (...) utilizam tecnologia do século XXI.
Não faz sentido gastarmos uma fortuna a tratar a água e depois usá-la para lavar caixotes de lixo.
É fundamental fomentar a possibilidade de ter negócio na agricultura. José Pedro Salema
presidente da EDIA
Existe uma paridade na adequação dos picos da chuva ao consumo da água? Quando chove mais os agricultores utilizam mais água, mas quando chove menos já têm a consciência e capacidade de gastar menos?
Sim, já todos temos essa consciência. Se está a chover não precisamos de regar um jardim. Atualmente os regadores científicos respondem imediatamente a fenómenos de precipitação. Em dias de chuva, o consumo de água é praticamente zero.
Ou seja, está em curso uma mudança clara de mentalidades?
Sim, acho que já todos percebemos o valor da água, tanto os agricultores como os consumidores. Temos de passar esta mensagem também para os decisores políticos para que invistam nestas infraestruturas porque sabemos que está aí a chave para o nosso futuro e desenvolvimento regional. A agricultura é a base de tudo, produção de alimentos e fixação de populações no território. É fundamental fomentar a possibilidade de ter negócio na agricultura.
Fruto da conjugação destas variáveis, em cenário de seca severa, o Alqueva é quase à prova de seca?
Gostava de pensar que sim, apesar de não ter certezas, pois o nosso clima tem uma irregularidade muito grande. Temos de ter alguns cuidados, não podemos continuar a esticar infinitamente os recursos do Alqueva para todo o lado, pois a água é um bem escasso. Mas o que nos mostra a ciência e as estatísticas é que sim. Antes das cheias, já tínhamos seguros dois anos e hoje estamos numa situação perfeitamente confortável e de acordo com o projetado.
Há espaço em Portugal para se criarem mais Alquevas?
À escala do Alqueva, não. Mas temos o Douro, o rio com a maior capacidade hídrica e afluências naturais, e o Tejo e o Mondego com uma potência enorme, que podiam ser alvo de um grande projeto de benefício. No verão, temos muita agricultura dependente do fluxo do rio e precisamos de barragens para fazer esta regularização. Para além de utilizar o Zêzere, podemos mobilizar o Cabril. Por outro lado, podemos desenvolver infraestruturas, que possibilitem a distribuição da água em tubos fechados, mais eficientes do que em canais e valas. Temos ainda manchas muitos significativas, mas que não têm esta escala, como por exemplo a Idanha, que pode e deve ser alvo de um projeto de restruturação, e o Sudoeste alentejano, que é uma zona com um clima extraordinário e que tem uma restrição de água.
Se tudo isso fosse feito poderíamos aguentar cenários de seca extrema?
Precisamos de mais gestão, mais capacidade de regularização e mais eficiência. Mas pensar que vamos ser independentes do ponto de vista da produção de alimentos é muito difícil. Portugal não tem condições temporais muito favoráveis a isso. No entanto, com o aumento do regadio, podemos atingir objetivos de que há muito se fala, como a independência alimentar em valor, ou seja, por exemplo, exportar mais framboesas para depois compensar o que importamos em trigo. Temos dados muito interessantes: por exemplo, no Sudoeste em dois mil hectares exportam-se 300 milhões de euros.
E o projeto das fotovoltaicas flutuantes que quer colocar no Alqueva?
A Humanidade tem um desafio enorme para as próximas gerações, que é passar a ser carbono neutro. Emitimos 50 mil milhões de toneladas de CO2 todos os anos e este valor tem de passar a zero. Todos temos de dar o contributo, incluindo o regadio, que é excelente, mas gasta energia. Esta energia tem de ser produzida localmente. Ou seja, junto ao sítio onde se gasta energia, temos de arranjar uma fonte que seja renovável e infinita e que possa ser gerada lá. É isto que estamos a fazer junto das estações elevatórias, que são as máquinas que empurram a água pelos dois mil quilómetros de tubos. Estas máquinas gastam uma fortuna, a nossa fatura elétrica este ano foi de 45 milhões de euros. Para além de controlar esta fatura, temos como objetivo dar um contributo no sentido da descarbonização. O fotovoltaico flutuante consiste basicamente em pôr painéis em cima da água, e traz muitos benefícios. É mais eficiente e produz mais energia do que em terra, porque está mais fresco. Para além disso, se cobrir os reservatórios, a evaporação é menor e as algas crescem menos, não interferindo tanto na distribuição de água. Por último, não usa terra, deixando que esta seja utilizada para a agricultura ou floresta.
A propósito da descarbonização, estamos também a diminuir ao máximo a utilização de adubos químicos substituindo-os por orgânicos?
Sem dúvida, já é uma diretriz da Política Agrícola Comum, temos a obrigação de reduzir o uso de adubos minerais. Para reduzir a pegada desses produtos, temos de os substituir por adubos orgânicos, que são feitos com o nosso lixo e resíduos. Em Alqueva, já temos muito olival, somos independentes a nível do azeite e somos exportadores. Com o azeite vem o bagaço de azeitona. Esse bagaço pode ser transformado em adubo, com muitas vantagens. Fica no local, não precisando de ser transportado, melhora a qualidade do solo, e reduz a fatura final. As boas práticas ambientais permitem poupar uma fortuna. A energia fotovoltaica é a mais barata de produzir no mundo, e os adubos orgânicos produzidos localmente com resíduos permitem-nos poupar muito, não só nos próprios adubos como na água, fitofármacos, etc. É por isso um bom negócio avançar neste sentido da sustentabilidade.