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Uma multinacional nascida em Portugal e que tem sabor a fruta

Milhares de iogurtes e de gelados consumidos em Portugal, Espanha, França, Norte de África e África do Sul têm o sabor dos preparados de fruta feitos pela Frulact, que é hoje uma das cinco principais empresas europeias do sector

04 de Julho de 2013 às 12:15
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João Miranda | As experiências nas empresas deram-lhe a certeza de que poderia fazer mais e melhor e reforçaram a sua vontade de empreender.

 

 

Foi uma ideia que surgiu na cabeça de um pai que tinha um filho que queria ser empresário. A Frulact nasceu para fazer o preparado de fruta que num iogurte representa, em média, entre 8 e 12% do preço de venda ao público. Esta fatia multiplicou-se em copos e copos de iogurte até chegar a vendas superiores a 100 milhões de euros, dos quais menos de 4% no mercado interno português.

 

Esta multinacional de "bolso" portuguesa tem sete fábricas distribuídas por Portugal (3), França, Argélia, Marrocos e África do Sul. É uma história de esforço, resistência, inovação, vontade e a glória de ser a primeira empresa a receber o Prémio Excellens Oeconomia, promovido pela PwC e pelo Negócios. Uma história que merece ser contada em vários capítulos.


Das experiências noutras empresas a empreendedor
ActualmentChief Executive Officer (CEO) da Frulact, João Miranda ainda estudava quando começou a trabalhar. Primeiro na gestão de stocks de uma oficina de tractores. Depois, na parte administrativa de uma estamparia. Estas experiências nas empresas deram-lhe a certeza de que poderia fazer mais e melhor e reforçaram a sua vontade de empreender.


O pai, Arménio Miranda, de tanto o ouvir manifestar a vontade de ter o seu próprio negócio, propôs-lhe, certo dia, montar uma empresa que fizesse o caramelo e o doce de chila que a Longa Vida colocava nos iogurtes. "O meu pai foi e continua a ser reconhecido como um técnico brilhante. Foi ele quem pela primeira vez em Portugal desenvolveu e lançou na Longa Vida os iogurtes com fruta, nomeadamente o de chila, bem como, muitos outros produtos inovadores no seu tempo", lembra João Miranda.


João contava ainda com o irmão, Francisco, que "é seguramente um dos mais reputados técnicos na produção de queijo, tendo-se formado em França". Se a ideia era boa e o apoio técnico tinha excelência, a vontade de João Miranda movia montanhas.


O caminho poderia não ser fácil, mas o cliente ficava perto. Moravam em Lavra, onde se situava a fábrica de iogurtes e a família Miranda propôs à Longa Vida que deixassem "de fazer estes dois produtos na sua fábrica, para passarem a comprar a um fornecedor externo, neste caso, à Frulact". Como a empresa de iogurtes - então ainda com capitais portugueses e que só nos anos 90 foi vendida à Nestlé - aceitou a proposta, começou a vida infernal de João Miranda. Mas quem corre por gosto muitas vezes alcança.


Um projecto que começou no fundo do quintal
Em 1987, tinha João Miranda 22 anos, e no fundo do quintal da moradia onde estavam os patos, as galinhas e os cães de caça do pai nasceu a Frulact, que mais não era do que um alambique, barricas e alguma mão-de-obra ocasional, para transformar cerca de 350 toneladas de chila por ano e a produção de caramelo.

 

Falhar não é desejável, mas só falha quem arrisca. O importante é que o risco seja dimensionado e controlado.
 
João Miranda,  CEO da Frulact

Frequentava o 2.º ano de Gestão, no ensino nocturno do I.T.F.I. - Instituto Técnico de Formação e Investigação, quando, "algures em Novembro", situa a memória de João Miranda, entrou na sala para fazer um exame de uma cadeira de Direito. "Estava completamente esgotado, pois estava em plena campanha de chila… De Setembro até final de Novembro processávamos, numa instalação arrendada a um familiar em Barcelos, cerca de 300 toneladas de chila. O dia começava para mim às 4h00 e acabava cerca da meia-noite".


Sentou-se, olhou para o teste, levantou-se e devolveu o teste ao professor, Luís Freire de Andrade, explicando-lhe que não estava "em condições físicas nem psicológicas para fazer o teste", o que quase deixou o professor em estado de choque. Este episódio fê-lo abandonar os estudos, mas não deixou de ir à escola pedir desculpa ao professor e convidá-lo a visitar a Frulact, então uma microempresa desconhecida.


Pouco tempo depois convenceu-o a dar "assessoria jurídica" na área laboral. Mais tarde, como recorda, pediu a Luís Freire de Andrade que lhe indicasse uma pessoa com competências na área financeira, economia, fiscalidade, contabilidade, estratégia, etc. e assim surgiu na Frulact, Nuno Osório, hoje vice-presidente deste grupo empresarial.


As novas fábricas em Portugal
Em 1992, iniciou-se o ciclo industrial moderno da Frulact, abandonando as incipientes instalações na Lavra quando decidiram arriscar a construção de uma fábrica moderna na zona industrial da Maia. Nessa altura só conseguiram o apoio e o crédito do então BNU para chegar aos cerca de 3 milhões de euros de investimento e uma capacidade para 4 mil toneladas/ano. O sonho já era então ibérico e em 1993 a Frulact já tinha morada nova.


Se o negócio da Frulact é a fruta, e o pêssego um dos mais apreciados nos preparados de frutos para produtos lácteos, surgiu uma oportunidade para a compra da desactivada unidade de transformação de fruta da Cooperativa de Fruticultores da Cova da Beira, em Ferro, um dos santuários da fruta, nomeadamente da cereja e de pêssego, em Portugal. Investiu na modernização industrial, mas não conseguiu uma ligação forte com os agricultores da região.


Como refere João Miranda os produtores nacionais de cereja, pêssego e morango, entre outros, preferem os negócios imediatos e de curto prazo e vêem a indústria "escoamento de fruta de menor qualidade". A fábrica em Ferro é hoje utilizada para a recepção e primeira preparação (lavagem, corte, descasque e descaroçar).


Em 2006, começou a funcionar a unidade de industrial de Tortosendo, onde investiram 15 milhões de euros e que João Miranda considera uma das melhores fábricas do género na Europa, e que lhes permitiu entrar em força no mercado francês.


Internacionalização começou com dois fiascos
Em 1995, os mercados do Norte de África mostravam apetite pelos produtos da Frulact. Como os direitos aduaneiros tornavam os preços proibitivos, a empresa decidiu instalar-se em Kenitra, a 60 quilómetros de Rabat, numa joint-venture com parceiros marroquinos. Mas as variáveis interculturais e a cultura do negócio ditaram o fim da experiência. Falharam em Marrocos, e em 2000, seguiu-se nova tentativa.


Optaram pela Tunísia com a intenção estratégica de ser a plataforma de fornecimento da indústria de lacticínios do Médio Oriente. Aliaram-se a um grupo local que tinha como "core business" as cablagens de automóveis e construíram uma fábrica em Nabeul, próxima de Túnis. Tudo parecia correr no melhor dos mundos, mas quando se chegou ao equilíbrio do capital a operação que estava a superar todas as previsões entrou em colapso.


Agora, à distância, e com um passado recente de grande sucesso na internacionalização, João é sentencioso: "Falhar não é desejável, mas só falha quem arrisca. O importante é que o risco seja dimensionado e controlado".


Sucesso acabou por apareceu em novos mercados
Em 2006, comprou uma unidade fabril em Vichy (França) ao GBP (Granger Bouguet Pau), por cinco milhões de euros. Em 2007, regressou a Marrocos com uma nova unidade industrial em Larache detida a 100% num investimento de 4 milhões euros.

 

Os mercados da América [do Sul e do Norte] estão em estudo [...]. Provavelmente marcaremos presença em mais um continente.
 
João Miranda,  CEO da Frulact

No ano seguinte estendeu os seus interesses a Argélia e implantou uma unidade industrial em Akbou, em que os argelinos têm 49%. Investiu 3 milhões de euros e tem uma capacidade de produção de 5 mil toneladas/ano.


Em Julho de 2009, a Frulact reforçou a sua presença no mercado francês com a compra da unidade GR6, em Apt, no Sudeste da França, e para a qual a Frulact concentrou a produção industrial, desactivando a fábrica de Vichy, o que deu origem a alguns conflitos sociais. Para João Miranda "em França fechar uma fábrica nunca é um processo fácil… A verdade é que a decisão tomada da concentração das duas fábricas numa só revelou-se inequivocamente como a mais acertada".


Em 2011, aliou-se ao grupo sul-africano Blendtonel para uma operação industrial de preparados de frutas para produtos lácteos em Pretória, tendo em Julho de 2012 iniciado a produção e tem uma capacidade para 16 mil toneladas/ano. João Miranda acredita que em dois anos possa chegar à liderança mesmo que na compita esteja o líder mundial do sector, que até fez uma nova fábrica.


Os planos não ficam por aqui, mas João Miranda quer dar passos seguros e consolidar os investimentos feitos, por isso "os mercados da América do Sul e da América do Norte estão em estudo há mais de um ano, pelo que, dentro em breve, se tudo evoluir como previsto, provavelmente marcaremos presença em mais um continente".

 

 
O mentor do projecto é comendador 

Arménio Miranda nasceu no Roriz em Barcelos em 23 de Julho de 1939, mas em 1963 começou a trabalhar no Laboratório Lacto Invicta no Porto, onde esteve durante 11 anos sob a orientação do Engº André Mayer (Enil Poligny) tendo mais tarde passado para a Longa Vida. Foi nestes meios que se tornou um mestre nos segredos do queijo camembert e de outros mistérios na área os lacticínios.


Feito comendador em Janeiro de 2006 pelo presidente da República, Jorge Sampaio, foi ele que viu a oportunidade de negócio que deu origem à Frulact e a que João Miranda deu o corpo. Autodidacta, hoje dá nome à cátedra de processamento alimentar da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa e escreveu recentemente o livro "Ignorância Positiva - Apologia da Ignorância". É desta obra que João Miranda extrai uma reflexão: "Não pode haver pessoas na empresa que, envaidecidas por estarem numa empresa de sucesso, se esqueçam da humildade necessária para continuarem a ser proactivos e rigorosos no rejuvenescimento continuado da empresa. Caso contrário, cedo ficará dourada por fora e com teias de aranha por dentro."

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