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O grande problema das empresas é o endividamento

O endividamento "é uma dificuldade estrutural" das empresas, diz António de Sousa, administrador de ECS Capital. Por isso a economia portuguesa precisa de capital como a vida de oxigénio.

12 de Junho de 2014 às 11:00
Miguel Baltazar/Negócios
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António de Sousa, 59 anos, é administrador da ECS Capital, de que foi um dos fundadores em 2006. Licenciado em Gestão pela Católica e doutorado na Wharton School, foi gestor do IPE, Banco Totta & Açores e presidente da Caixa Geral de Depósitos. Nas funções públicas passou pelas secretarias de Estado da Indústria, Comércio Externo e das Finanças, e foi governador do Banco de Portugal, de Junho de 1994 a Fevereiro de 2000. Diz que a qualidade média da gestão aumento e que hoje em dia "a maior parte dos nossos gestores têm a perfeita noção do que é que se faz em qualquer parte do mundo e a gestão em Portugal não é diferente da que se pratica noutros sítios".

 

Pela sua experiência como professor, governante, gestor e financeiro quais são as principais debilidades e dificuldades das empresas portuguesas?

Há uma dificuldade estrutural que é o grande endividamento das empresas portuguesas. Dura há décadas e já nos anos 80 se falava disso, mas a situação não melhorou, pelo contrário, até piorou. Está relacionada com um conjunto muito alargado de factores, um das quais é, sem dúvida, nunca ter havido um benefício nítido para os aumentos de capitais em comparação com outros tipos de financiamentos. Isto leva a que a empresas portuguesas sejam das mais endividadas da Europa.

 

A segunda dificuldade tem a ver normalmente com a dimensão média das nossas empresas, que é pequena, o que, com as dificuldades em se associarem e serem capazes de terem um papel mais significativo num processo de globalização, se torna um problema. Por isso, são muito boas a exportar mas têm dificuldades claras na internacionalização.

 

Como é se podem resolver estes dois problemas? Leva tempo…

Tem-se efeito várias tentativas embora pense que geralmente com pouco sucesso. No fim dos anos 80 surgiu e o próprio PEDIP (programa de apoio à indústria) se criou sociedades de capital de risco. É um elemento de solução para aumentar os capitais próprios das empresas. Outras soluções têm aparecido como nos últimos anos, desde outros fundos de capital de risco até aos recentes promovidos pela Estado, os fundos Revitalizar.

 

Devia-se facilitar as fusões e aquisições entre as empresas porque muitas vezes há restrições substantivas, nomeadamente do ponto de vista fiscal e burocrático. Já são operações difíceis por si porque muitas das empresas são familiares, não têm propensão para se unirem e há restrições, complica as fusões e aquisições.

 

O terceiro aspecto é que em Portugal favorece-se, do ponto de vista fiscal, tudo o que seja dívida em relação ao capital próprio. No ano passado, com o objectivo certo mas com uma medida que não era a mais correcta, foi dado um incentivo negativo, ou seja, o serviço da dívida deixou de ser considerado um custo a partir de um certo limite. Esta medida favorece a receita fiscal mas duvido que seja muito atractiva para as pessoas capitalizarem as empresas. Aliás nota-se que enquanto as famílias estão a fazer um ajustamento no seu endividamento as empresas não estão.

 

Nesta crise houve algum sector e algumas empresas que o tenham surpreendido em termos positivos, pela resiliência?

Mais uma vez o sector do calçado teve uma performance espectacular. Tem sido capaz de atravessar crises, de se reinventar constantemente e com qualidade, o tem sido transposto para o preço. Foi interessante ver como alguns sectores ditos tradicionais, e que pareciam estar em vias de extinção como o têxtil e confecções, conseguirem um novo nicho de mercado. Optaram por entrar nas produções de alta qualidade, de nicho ou de capacidade logística, de entrega no mercado europeu, que lhes deu uma nova linha de vida.

 

Portugal precisa de investimento directo estrangeiro…

Portugal precisa de investimento estrangeiro porque há muita falta de capital em Portugal. Como se referiu há uma grande descapitalização das empresas. Precisamos de investimento estrangeiro para as empresas descapitalizadas, que necessitam de investidores e dificilmente os encontram em Portugal.

 

Necessita-se também de capital estrangeiro para projectos de raiz, de novos investimentos porque têm sido alguns grandes investimentos estrangeiros a dominar a nossa veia exportadora, e não é só a AutoEuropa, há muitos outros casos, de menor dimensão mas extremamente relevantes. Além disso, estes investimentos têm um efeito multiplicador porque criam empresas industriais e de serviços à sua volta, que fazem a endogeneização dessa tecnologia, seja ela de ponta ou de processos produtivos.

 

Como é que se pode atrair mais investimento?

O investimento estrangeiro tem estado a subir. Pela nossa actividade notamos que há dois anos não havia qualquer interesse, o ano passado já havia umas perguntas mas este ano já há reuniões para falar dos assuntos.

 

Em termos de percepção de risco, que é o fundamental, as taxas de rentabilidade que eram exigidas por um investidor estrangeiro, tanto na indústria como nos serviços ou no imobiliário, em Portugal eram de tal maneira elevadas que era uma conversa acabada. Lembro-me de ser habitual os investidores estrangeiros, dado o risco atribuído a Portugal e a probabilidade de sair do euro, dizerem que a taxa de rentabilidade do investimento mínima aceitável seria 25 a 30%. Neste momento os valores ainda estão relativamente elevados mas começam a ser mais próximos e já se começam a ver algumas operações a serem feitas.

 

Por outro lado, há um aspecto que é fundamental para todo o investimento, para além dos referimos sempre como a justiça, e que é estabilidade fiscal, não é tanto o nível da fiscalidade.

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