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O crescimento nos extremos da cadeia do valor

Se as empresas portuguesas forem capazes de se posicionar nas fases que agregam mais valor, podem controlar toda a cadeia de valor sem necessidade de desenvolverem todas as actividades.

03 de Junho de 2015 às 11:37
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"Os caiaques Nelo deviam ser uma bandeira da indústria portuguesa", sustenta Manuel Lopes da Costa, partner da PwC. 


As cadeias de valor mudaram radicalmente com a abertura ao comércio da China e de outros países em vias de desenvolvimento, a existência de tecnologia de informação e a modernização da logística. Com esta transformação, o valor concentrou-se nos extremos da cadeia de valor. O design, o branding, a concepção dos produtos que o consumidor quer comprar e, depois a distribuição, as vendas a retalho, onde é preciso convencer o consumidor a comprar os produtos. A produção, que ficou no meio, perdeu o seu atractivo. Como referiu recentemente num artigo académico, Sérgio Rebelo, "o crescimento está nas margens". Nesse artigo académico Trading Down and the Business Cycle, assinado por Sérgio Rebelo, Nir Jaimovich e Arlene Wonge, conclui-se que o meio da cadeia de valor "é um lugar difícil para se estar".

Por isso, para capturar um maior valor nestas cadeias as empresas têm de se especializar nas fases com maior capacidade de diferenciação e externalizar as restantes. "Tipicamente, as actividades que agregam mais valor são as que se encontram a montante da cadeia de valor (como inovação, desenvolvimento de produto e design) ou a jusante (como, por exemplo, o marketing, a gestão da marca e o controlo dos canais de distribuição)" refere Carlos Brito, professor da Faculdade de Economia do Porto e pró-reitor da Universidade do Porto para a inovação e empreendedorismo. Acrescenta que "se as empresas portuguesas forem capazes de se posicionar nessas fases - e felizmente temos algumas que o fazem com muito sucesso - elas vão controlar toda a cadeia de valor sem necessidade de desenvolverem todas as actividades, designadamente aquelas de menor valor acrescentado".

Carlos Brito acentua para entrar nas actividades de maior valor acrescentado "mais do que um problema de capital, o importante é que as empresas apostem na inovação, seja de produto, de processo, de marketing ou de modelo de negócio". Há um caminho que pode ser feito para se chegar ao capital. Nesta estratégia tem um papel de destaque o trabalho em rede "aproveitando todas as vantagens da open innovation (por contraposição ao modelo clássico de inovação fechada)" refere Carlos Brito. Este docente assinala que "para isso, e mais uma vez, é necessário trabalhar em rede com os clientes, com os fornecedores, com o meio científico e tecnológico e mesmo, em certos casos, com os concorrentes procurando formas de competição. Se as empresas fizerem isto com sucesso, de certeza que o capital parece".

Falta risco de investidor
Para Manuel Lopes da Costa, partner da PwC, o tecido empresarial português tem mostrado capacidade para transformar e criar valor e há várias demonstrações desse facto embora não se tenha chegado a qualquer produto que seja marcante. Mas na sua opinião "talvez se deva ao facto de faltar "capital de investimento" e ao facto de "o empresário português não quer ser o primeiro porque tem medo". Segundo este consultor que também lecciona no ISCTE, "falta risco do investidor, não temos empresariado porque não se pode ser investidor e pensar que se acerta em dez dos dez investimentos que se fazem. Por isso, os nossos projectos têm sempre pouco capital e são muito pouco financiadas".

As cadeias de valor não são todas iguais, havendo umas que têm uma natureza mais localizada e outras de cariz global. Para Carlos Brito, "é necessário é que as empresas portuguesas "apanhem o comboio" das grandes cadeias de valor globais". E dá o exemplo da reconversão que ocorreu em várias empresas do sector têxtil em Portugal que, tendo deixado de apostar no vestuário, se redireccionaram para a indústria automóvel passando a fabricar estofos e outros componentes interiores.

Nos sectores tradicionais houve inovação e capacidade de ir buscar engenharia, reorganização e alianças e cooperação entre empresas, associações, universidades e centros tecnológicos. "A indústria da cortiça regenerou-se e faz coisas que eram impensáveis há alguns anos como, por exemplo, a última novidade que são as pranchas de surf" refere Manuel Lopes da Costa. Acrescentando que "os caiaques Nelo deviam ser uma bandeira da indústria portuguesa pois qualquer canoísta quer ter um caiaque Nelo, fornecemos a rúcula que se come em Londres através da Vitacress".
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