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José Manuel Bernardo: "Supervisão actuante e exigente credibiliza auditoria"

"Os bancos estão muito mais sólidos hoje do que no passado e isso também se deve ao esforço que tem sido feito para cumprir com as actuais exigências de melhores práticas e de reforço de capitais" diz José Manuel Bernardo, presidente da PwC Portugal.

22 de Março de 2018 às 10:19
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O prémio Excellens Oeconomia, organizado pela PwC e o Negócios, é um "reconhecimento junto da sociedade dos casos de sucesso, que acabam por ser um exemplo para todos e um incentivo para se faça mais e melhor" refere José Manuel Bernardo, presidente da PwC Portugal. É importante porque valoriza e anima todos os gestores, empresários e empresas, "que se esforçaram no sentido de melhorar as empresas em que estão e assim será nesta sexta edição do prémio".

 

O líder da PwC em Portugal não deixa de olhar para o que se passa à sua volta. Apesar de não conhecer em detalhe o Montepio, considera que tem tido "uma evolução positiva no sentido de capitalizar a instituição". Na sua opinião, o caminho de estabilização e de credibilização podem ser reforçadas "com esta administração liderada por Carlos Tavares, que terá um papel importante nesse aspecto tal como a equipa de gestão que está indigitada e que é experiente. Tem boas condições para levar o seu trabalho a bom caminho".

 

A complexidade regulatória e dos processos melhorou a qualidade da auditoria e que se atingisse os objectivos de maior transparência e maior escrutínio?

Em Portugal não têm surgido questões significativas, as que surgiram já não são de hoje. Mas, se olharmos para o mercado internacional, diria que este acréscimo todo de complexidade, que é global, não tem resultado no que todos esperavam, ou seja, no fim das práticas menos correctas. Basta pensarmos em exemplos recentes como na Steinhoff, empresa sul-africana accionista da Conforama, com irregularidades nas contas, no Wells Fargo, com dezenas de milhares de contas falsas ou no colapso financeiro da britânica Carillion.

 

Depois dos problemas surgidos no pós-Enron, tal como com a crise financeira de 2008, houve uma resposta política muito exacerbada no sentido de se apresentarem soluções como a rotação obrigatória, o aprofundamento do que são as normas de auditoria. Mas em termos práticos continuam a verificar-se problemas. A resolução para tudo isto passa por um efectivo enforcement das normas criadas e dos órgãos de governação das empresas em todos os sectores.

 

Se compararmos o que aconteceu em Portugal com muitos outros países podemos dizer que o sector financeiro foi muito resiliente. José Manuel Bernardo
Presidente da PwC Portugal

 

Há muitas vezes a tendência para assumir que, com o trabalho do auditor, se consegue prevenir e identificar todo um conjunto de práticas menos correctas, que levam a que haja contas que não reflectem a realidade das empresas com todas as consequências que daí advêm. Mas a bastonária dos Técnicos Oficiais de Conta, Paula Franco, disse numa entrevista que os contabilistas nas empresas têm um papel muito grande na prevenção do tipo de situações que têm ocorrido. E isso é verdade para os contabilistas como para os auditores, os órgãos de gestão e de fiscalização e para os stakeholders relevantes das empresas.

 

Em Portugal, um dos sectores em que houve mais falhas dos auditores foi no sector financeiro. Como é que está hoje o sector, está mais estabilizado, se a qualidade das auditorias melhorou?

O sistema tem vindo a reforçar os seus capitais, as suas práticas de governação e as práticas internas como a gestão de risco e de as alinhar com o melhor que se faz no mercado. O sector financeiro passou por um mau bocado também por causa da conjuntura portuguesa e internacional. Se comprarmos o que aconteceu em Portugal com muitos outros países podemos dizer que o sector financeiro foi muito resiliente.

Aconteceram problemas com o Banco Privado, com o Banco Espírito Santo, com o Banif. Houve crédito mal parado um pouco por todos os bancos, mas não se deve a práticas incorrectas, tem a ver com as condições da economia num dado momento.

 

O sector tem vindo a evoluir muito bem em termos de práticas, da capacidade para absorver e responder aos riscos que vão surgindo e aos problemas que acontecem em qualquer sector. Os bancos estão muito mais sólidos hoje do que no passado e isso também se deve ao esforço que tem sido feito para cumprir com as actuais exigências de melhores práticas e de reforço de capitais.

 

A supervisão do BCE para os bancos sistémicos trouxe mais rigor e mais exigência?

O Banco Central Europeu passou a acompanhar os bancos relevantes e criou equipas específicas mas continua a haver uma ligação com o supervisor nacional. Estou convencido que mesmo que a supervisão não fosse feita pelo BCE, evoluiria no mesmo sentido porque os três supervisores que há em Portugal como o Banco de Portugal, Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensão, a CMVM, têm-se vindo a dotar de cada vez mais competências. A regulação evoluiu e não haveria nenhuma diferença substancial entre a supervisão directa do BCE ou a supervisão das autoridades nacionais.

 

O sector passou a ser supervisionado pela CMVM, além de cumprir com as normas emitidas pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas. Que balanço é que faz? O que funcionou bem e o que devia ser corrigido?

Ainda é uma experiência relativamente recente. A profissão de auditor, que tem vindo a ser posta em causa por uma série de acontecimentos ao longo dos anos, só se credibiliza se tivermos uma supervisão e um enforcement das normas sérias. É fundamental que exista supervisão, funcione e seja actuante, que a credibilidade seja reforçada e que haja um equilíbrio entre todos os players no mercado.

 

Hoje a supervisão faz-se de maneira diferente tal como a forma de cumprimento por parte das entidades pois a CMVM tem equipas específicas para fazer o acompanhamento. Uma coisa que notamos é a necessidade de fornecer um conjunto de informação muito detalhado. Mas não se sei se acrescenta muito valor ao supervisor, até porque cria muitas dificuldades operacionais.

"Sem o Portugal 2020 estaríamos piores do que estamos"

José Manuel Bernardo considera que a dívida é a grande limitação para o crescimento e o desenvolvimento.

Seria possível aumentar ainda mais o crescimento da economia portuguesa? Quais são os principais riscos para a economia portuguesa?
A nossa economia depende muito do que se passa à nossa volta e do que acontece em termos internacionais. Continuamos a ter volumes de dívida elevados tanto no sector privado como no público, que são uma grande condicionante e uma limitação. Por um lado, não se pode promover o consumo à custa do aumento de dívida e, por outro lado, a dívida limita a capacidade de investimento e a criação das bases de um crescimento maior.

A dívida implica que para aumentar o investimento se tem de atrair mais capital estrangeiro. Pode ser uma das fórmulas para tornear a questão da dívida?
Isso está a ser feito e tem sido um trabalho dos governos no sentido de se procurar atrair investimento. Para que este venha tem de haver um conjunto de condições como trabalhadores disponíveis e bem formados, ambiente social adequado, e haver certeza em relação a licenciamentos, matérias fiscais e ao quadro jurídico em que as empresas operam. Temos tido algumas variações que não são convidativas e que podem ser mal interpretadas pelos investidores internacionais. A estabilidade é fundamental, como por exemplo a legislação fiscal, que deve ser estável sejam quais forem as taxas, até porque os business plans são feitos com um horizonte alargado.

Que balanço é que faz do impacto de Portugal 2020 na economia e nas empresas?
Do nosso contacto com as empresas que utilizam esses instrumentos o impacto que resulta é muito positivo. Permitiu que fossem feitos investimentos que de outro modo não seriam realizados porque não havia capitais suficientes disponíveis. Pode haver alguma questão em relação à execução e há o sentimento de que existem atrasos. Mas sem o Portugal 2020 estaríamos piores do que estamos actualmente. 

PwC passa os 100 milhões

"Em 2017 crescemos 12%, facturámos mais de 100 milhões de euros" refere José Manuel Bernardo. "Houve um crescimento significativo na consultoria, e no assurance, que na nomenclatura da PwC engloba auditoria, riscos, cibersegurança, que cada vez ganha mais relevância e cuja procura tem aumentado nos últimos dois a três anos". Explica que na auditoria a PwC tem uma "grande quota de mercado pelo que os crescimentos são mais contidos".

Em 2017 começou a notar-se os efeitos da rotação obrigatória das empresas de auditoria nas empresas cotadas e nas chamadas entidades de interesse público. "Estávamos com clientes históricos como a Corticeira Amorim, a Jerónimo Martins, que em 2017 saíram por causa da regra da rotação obrigatória".

A PwC faz a auditoria a bancos como o Santander Totta, BPI, Caixa Central de Crédito Agrícola, BIG e Bankinter. Está em novas empresas como o Grupo SGC, a Brisa e a Mota Engil, por exemplo. No PSI-20 detém hoje 35% das empresas embora as próximas rotações possam alterar a situação.

Conta com 1401 funcionários em Portugal e Angola. Faz cerca de 46% do negócio na auditoria e o restante em consultoria e na assessoria fiscal. Refere ainda que estão a fazer a aprendizagem para preparar os ciclos regulares de rotação. "Temos de preservar os recursos, o conhecimento, não se pode abandonar uma determinada entidade e descartar uma equipa, tem de ser preservar os conhecimentos dentro da firma" conclui José Manuel Bernardo. 

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