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Numa entrevista ao Portugal Health Summit, uma iniciativa SÁBADO, Negócios e Lusíadas Saúde, sobre o papel da inovação na promoção da saúde, o presidente da APIFARMA salienta que "os medicamentos inovadores foram responsáveis pelo acréscimo de 2 milhões de anos de vida saudável, pelo evitar de mais de 110 mil mortes e pelo aumento da esperança de vida em 10 anos desde 1990" em Portugal.
A pandemia exigiu avanços na área da tecnologia de saúde e salientou o papel crítico da investigação. Neste contexto, as doenças raras, os cancros ou as doenças cardiovasculares foram progredindo. Como se pode garantir que estes doentes não ficam para trás?
Lamentavelmente, a demora no acesso à inovação em Portugal ainda é muito significativa. A título de exemplo, uma pessoa que vive com doença espera, em média, 128 dias para ter acesso a uma nova alternativa terapêutica na Alemanha, enquanto em Portugal esse tempo pode atingir os 702 dias. Face à média europeia, os doentes portugueses aguardam mais 185 dias para ter acesso à inovação, sendo que Portugal ocupa o 30.º lugar do conjunto dos países da Europa. Por outro lado, o País tem disponível apenas 44% dos medicamentos aprovados pela Agência Europeia de Medicamentos entre 2018 e 2021. Todos estes atrasos e limitações colocam Portugal na cauda da Europa, sentenciando os portugueses a uma clara iniquidade. E as pessoas com doença em Portugal não podem esperar mais pela inovação do que os seus concidadãos europeus.
E o que deve ser feito para colmatar essa iniquidade?
É preciso agilizar, simplificar e desburocratizar. Necessitamos de um sistema de saúde que conte com todos, numa convergência de esforços, para investir nos benefícios económicos que a inovação traz para a melhoria dos resultados em saúde e para a sustentabilidade presente e futura do sistema de saúde.
Os dados mais recentes da APIFARMA apontam a indústria farmacêutica como promotora de 89% das investigações em saúde realizadas em Portugal em 2020. Quanto vale o medicamento para a saúde de cada português?
Em 2018, desenvolvemos um estudo precisamente sobre esse tema ("O Valor do Medicamento em Portugal") em colaboração com a McKinsey, que nos mostrou, em oito doenças impactantes, que o valor dos anos de vida saudável ganhos pela utilização de medicamentos inovadores foi entre 5 e 7 mil milhões de euros, equivalentes a 140-190% de toda a despesa farmacêutica. O mesmo estudo concluiu que os fármacos inovadores foram responsáveis pelo acréscimo de 2 milhões de anos de vida saudável, pelo evitar de mais de 110 mil mortes e pelo aumento da esperança de vida em 10 anos desde 1990. Mas não só. Percebemos também que permitiram reduzir hospitalizações e outros custos diretos com a saúde em cerca de 560 milhões de euros/ano.
Na sua tomada de posse como presidente da APIFARMA, em abril, referiu que "este é o tempo para apostar na inovação e na investigação". Quer concretizar?
Temos todas as condições para promover Portugal como um grande centro de excelência para a inovação biomédica e a investigação clínica, tornando-o mais competitivo face a outros países da União Europeia (UE). Mas, para isso, é fundamental que exista um ambiente favorável à inovação e ao investimento em ensaios clínicos, de forma a conseguir captar projetos internacionais estruturantes que respondam aos desafios do sistema de saúde e da economia nacional, com ganhos evidentes para o doente, para os profissionais de saúde e para o Estado. É preciso começar a capacitar os centros académicos clínicos e os centros de investigação clínica do País, dotando-os da necessária autonomia administrativa e financeira. Além disso, é preciso valorizar a investigação com disponibilização de tempo dedicado e reconhecimento profissional. Isso passa também por promover nas instituições de saúde a definição de políticas e de orgânicas integradas para a investigação clínica. E já existem bons exemplos em Portugal, que urge replicar.
Desde 2010 que o peso do investimento do SNS em medicamentos tem vindo a decrescer. Acha que o Governo e a nova direção do SNS podem ou querem resolver esse assunto?
Só em 2021, em contexto de pandemia e de recuperação da atividade assistencial, é que a despesa em meio hospitalar e em ambulatório com medicamentos ultrapassou o valor registado há 12 anos. Lamentavelmente, e apesar da sua relevância, em Portugal, desde 2012 que a despesa pública em saúde em termos de percentagem do PIB tem sido inferior à média da UE, segundo o último relatório da OCDE. O investimento público no nosso país corresponde a 70% do valor médio per capita gasto em saúde no conjunto dos países da UE. Acresce que, ainda este ano, a OCDE recomendou um reforço em 1,4% do PIB por ano em saúde para aumentar a resiliência dos sistemas de saúde. Recentemente, o Governo deu sinais positivos de preocupação com a IF. De qualquer forma, temos ainda um longo caminho a percorrer, do qual seremos sempre parte da solução.
Como é que a APIFARMA tem abordado a sustentabilidade dos sistemas de saúde face ao aumento dos custos associados à inovação terapêutica?
Sabemos que os sistemas de saúde apresentam variações significativas nos resultados de saúde, mas também é hoje ampla e plenamente consensual que a inovação na área terapêutica, cujo financiamento é avaliado do ponto de vista farmacoeconómico, é custo-efetiva e tem contribuído decisivamente para a preservação e manutenção do nosso sistema de saúde, nomeadamente do SNS, e é um fator importante na garantia da sua sustentabilidade futura. E, neste âmbito dos cuidados de saúde baseados no valor aportado e não nos atos realizados, a inovação terapêutica é, sem dúvida, um contributo major para os resultados a alcançar de forma sustentável.