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Ao longo dos anos, temos assistido à melhoria contínua da esperança média de vida em Portugal, um dado que nos coloca muito bem posicionados, mesmo até ao nível dos países do Norte da Europa. Mas se uma vida longa é importante – e é evidente que o é –, impõe-se perguntar se será suficiente e se nos podemos alegrar com este facto. Na verdade, não podemos. Dados recentes da Pordata sobre o envelhecimento mostram, por exemplo, que dos 22 anos de esperança média de vida de uma mulher com 65 anos em Portugal, apenas sete anos serão de vida saudável.
A pobreza em muito contribui para esta realidade. Mais de 400 mil idosos vivem em risco de pobreza em Portugal, com um máximo de 551 euros por mês, sabendo-se que para 90% das pessoas com 65 ou mais anos a reforma ou pensão é a sua principal fonte de rendimento.
Os números reunidos pela base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos mostram ainda que há mais de 500 mil idosos a viverem sós. E mais de metade não pratica exercício físico e tem excesso de peso. Uma boa vida precisa de ser longa, mas também simultaneamente saudável, ativa e gratificante. E só encarando a melhoria dos anos de vida saudáveis após os 65 anos como um desígnio nacional poderemos inverter este panorama que nos envergonha e que nos põe na cauda dos países europeus.
O Ministério da Saúde e o Governo precisam obviamente de mudar a sua cultura de intervenção em relação a este assunto, mas não é preciso que o Governo faça tudo. As autarquias podem fazer muita coisa, ter um papel mais ativo, até porque falamos de problemas que afetam pessoas concretas. Até agora, cumprimos bem a tarefa de identificar o que está mal, mas está na altura de avançar, de nos organizarmos para dar o passo em frente, pois já não nos basta estar dentro das instituições. As instituições têm de sair para junto das pessoas, e o trabalho na comunidade assoma como algo absolutamente indispensável, tal como a generalização das boas experiências que temos no País.
Paralelamente, não nos podemos alhear da absolutamente indispensável intervenção multissetorial, seja ao nível da Saúde, seja também ao nível da Segurança Social e da Educação, promovendo um trabalho mais ativo junto das comunidades mais frágeis para que as pessoas sejam retiradas da pobreza, uma condição que as enfraquece, que não permite que saiam das amarras e que as tolhe no seu desenvolvimento.
É preciso ir mais longe , além de garantir a proteção relativamente aos riscos sociais, devemos tentar evitar que os riscos ocorram. É preciso também não esquecer que a Saúde é um pilar da construção da coesão social, é essencial para a identificação de fatores que impossibilitam o desenvolvimento humano. Isto porque todos os nossos problemas de pobreza, de falta de qualificação, de falta de rendimentos, todos estes problemas se vão transformar em doença evitável.
E a verdade é que a doença evitável não deixa de ser doença, faz-nos é gastar recursos que não faz sentido gastarmos se a tivéssemos prevenido. Portanto, quanto menos atuarmos no que pode travar a ocorrência de doenças, mais pressão vamos ter sobre o sistema de saúde – com doença e incapacidade e mortalidade evitáveis.
Volto a sublinhar. Até agora a saúde tem investido muito nas pessoas, permitindo que vivam muitos anos, mas são pessoas que carregam em si marcas tão pesadas que não lhes permitem viver tranquilas e com bem-estar.
Melhorar a vida saudável após os 65 anos devia ser um desígnio nacional, como já disse. Mas também não nos podemos esquecer das origens, da base de tudo, e a esse nível é essencial garantir que não há pobreza infantil, até porque esta pode determinar, pela dificuldade em ingerir as calorias e a alimentação necessárias para um crescimento saudável, um comprometimento cognitivo irrecuperável.
Para garantir que isso não acontece temos de atuar em conjunto. Se à baixa natalidade acrescentarmos estes eventuais problemas cognitivos, qual será o futuro do nosso país? Precisamos de desabrochar enquanto pessoas, desenvolver todo o nosso potencial para sermos cidadãos ativos, sendo fundamental garantir que essas crianças à partida, e apesar do seu contexto social, consigam um desenvolvimento pleno das suas capacidades.
Um neuropsiquiatra francês disse recentemente numa entrevista algo muito inteligível e ao mesmo tempo muito interpelante: "Uma criança que nasce num contexto desfavorecido chega aos 3 anos a dominar 200 palavras, já uma criança que nasça num contexto favorecido, na mesma idade, tem um domínio de entre 800 e 1.000 palavras." E a verdade é que isto vai fazer toda a diferença no seu percurso escolar.
Não nos podemos conformar. Temos de trabalhar de outra forma e não estar estaticamente à espera que os problemas surjam, mas sim identificar as condicionantes que fazem com que nos confrontemos com estas dificuldades, e evitar as consequências negativas o mais precocemente possível. É fundamental investir numa atuação inteligente, dirigida às pessoas, e que permita que desenvolvam todo o seu potencial.
Ao fim e ao cabo, e fazendo uma equiparação com o trabalho que se faz na agricultura, na agricultura eu trabalho os solos de acordo com aquilo que eles podem produzir e de acordo com a sua fertilização para que possam produzir. Neste caso, precisamos também de fertilizar os terrenos sociais para que sejam favoráveis ao desenvolvimento das pessoas.