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“Contratação de oncologistas no SNS não acautelou o volume de doentes”

O perfil português do mais recente Registo Europeu das Desigualdades do Cancro, promovido pela OCDE, mostra “disparidade na distribuição de recursos humanos em oncologia”, o que pode afetar “as experiências e resultados”, aponta o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas (PNDO), José Dinis

Teresa Alves Mendes 03 de Agosto de 2023 às 15:36
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O Registo Europeu das Desigualdades do Cancro, uma iniciativa do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro da OCDE (Organização Europeia de Cooperação Económica) e da Comissão Europeia, lançou recentemente mais uma edição com os relatórios sobre a incidência, diagnóstico e tratamento do cancro nos vários Estados-membros da União Europeia, Noruega e Islândia.

O perfil de Portugal indica que o cancro continua a ser a segunda principal causa de morte no país, verificando-se "poucas melhorias na mortalidade na última década". Já as boas notícias revelam que "a incidência estimada do cancro é uma das mais baixas na UE". Quanto à deteção precoce, "os programas de rastreio de base populacional financiados por fundos públicos estão bem estabelecidos para os cancros da mama, do colo do útero e colorretal". Aliás, "a adesão ao rastreio do cancro da mama e colorretal é superior à média da UE", nota o relatório.

"Com efeito, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem conseguido entregar aos portugueses resultados iguais ou melhores do que aqueles que são obtidos pela generalidade dos países avaliados", destaca o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas (PNDO), José Dinis, que também concorda com os autores quando dizem, sobre a realidade portuguesa, que "existem várias oportunidades de melhoria". Para "alavancar essas oportunidades", o responsável espera agora pela "aprovação da Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, Horizonte 2030". Recorde-se que o documento esteve em consulta pública até agosto de 2022 mas, quase um ano depois, ainda não foi publicado pelo Ministério da Saúde.

 

Faltam recursos humanos  

Na prestação de cuidados ao doente oncológico, o relatório da OCDE salienta a desigualdade no acesso aos recursos para radioterapia, que estão distribuídos principalmente no litoral do país. Do mesmo modo, refere que "a disparidade na distribuição de recursos humanos em oncologia pode afetar as experiências e os resultados em saúde".

Para José Dinis, a avaliação das desigualdades na prestação de cuidados ao doente oncológico "obriga a uma reflexão separada das duas dimensões: radioterapia e os recursos humanos na oncologia".

Sobre o acesso à radioterapia, o dirigente alerta que "a presunção de que a assimetria de distribuição geográfica dos equipamentos está associada a desigualdades de acesso não é correta, uma vez que o  SNS suporta a totalidade do custo com deslocações para o tratamento de radioterapia e garante, se necessário, o seu alojamento em locais próximos das Unidades de Radioterapia". Além disso, "para podermos oferecer cuidados de qualidade em radioterapia é essencial garantir um volume mínimo de doentes tratados em cada unidade", observa.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem conseguido entregar aos portugueses resultados iguais ou melhores do que aqueles que são obtidos pela generalidade dos países avaliados JOSÉ DINIS
diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas (PNDO)

Já quanto aos recursos humanos no âmbito da oncologia médica, "o relatório da OCDE espelha uma preocupação que também é da direção do PNDO", sublinha José Dinis. Na verdade, "em dois relatórios já publicados  sobre o assunto constatámos a existência de uma política de contratação de médicos oncologistas no SNS que não acautelou o volume de doentes oncológicos em tratamento nas diferentes unidades de saúde". Esta é, aliás, "uma das dimensões que pretendemos ver abordadas no pilar do Diagnóstico de Tratamento da Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, Horizonte 2030, cuja aprovação aguardamos".

 

Os cancros mais mortais

O relatório da OCDE aponta os cancros do pulmão e colorretal como principais causas de mortalidade por cancro em Portugal, sendo o consumo de álcool, ligeiramente superior à média da UE, o excesso de peso e a obesidade os principais fatores de risco. A OCDE destaca de forma positiva o tabagismo, cuja prevalência diminuiu consideravelmente entre 2015 e 2019, estando agora abaixo da UE, mas também a cobertura e adesão à vacinação contra o vírus do papiloma humano, incluída no Programa Nacional de Vacinação, universal e gratuito para todos os cidadãos.

Relativamente ao desempenho na prestação de cuidados oncológicos, o documento refere que "Portugal tem um dos custos per capita mais baixos entre os países da UE no que diz respeito aos cuidados oncológicos". Em 2018, o custo total do cancro foi de 256 euros per capita, ou seja, 20% inferior à média da UE. Todavia, "as taxas de sobrevivência referentes aos cancros mais comuns são superiores às médias em toda a UE", observa também o relatório, reforçando que "contribuem para tal uma rede consolidada de centros de referência e a disponibilidade de medicamentos e tratamentos gratuitos".

O investimento que Portugal tem feito na área oncológica tem estado associado a um retorno social igual ou melhor do que a média dos resultados conseguidos pelos países da UE JOSÉ DINIS
diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas (PNDO)

Acautelando que "os dados citados no relatório referentes aos custos per capita estão limitados pela metodologia utilizada no seu cálculo (isto é, são custos estimados e não custos realizados)", o diretor do PNDO destaca que "o investimento que Portugal tem feito na área oncológica tem estado associado a um retorno social igual ou melhor do que a média dos resultados conseguidos pelos países da UE, algo que é realçado pelos autores quando discutem as taxas de sobrevivência líquida para os quatro cancros mais frequentes em Portugal (cancro da mama, da próstata, do cólon e do pulmão)".

 

Investir nos ensaios clínicos

Metade das instituições que prestam cuidados oncológicos realizaram, em 2018, ensaios clínicos com recrutamento ativo. Contudo, "Portugal continua a apresentar um desempenho inferior em termos de número de ensaios clínicos em comparação com outros países de dimensão geográfica semelhante", lê-se no relatório. Na opinião do diretor do PNDO, esta é uma "área crítica para a melhoria dos processos assistenciais e que tem o potencial de facilitar a cativação de recursos humanos para o SNS". José Dinis defende que "uma melhoria de desempenho nesta dimensão carece de medidas que permitam dar autonomia de gestão dos centros de investigação clínica dos hospitais e a criação de incentivos à investigação no processo de contratualização".


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