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Ao fundo vê-se a água do estuário do Sado e a península recortada pelos altos edifícios de Tróia. Mas aos pés deste miradouro, a interromper a densa vegetação, abre-se uma cratera cor de terra, a parte visível dos 59 hectares em exploração na pedreira. Por volta do meio-dia ouve-se uma explosão e forma-se a partir do chão uma nuvem de pó.
É o primeiro passo do processo de produção de cimento, que Vítor Henriques, director de produção da fábrica da Secil, no Outão, compara à simulação de um "vulcão artificial". Ou, numa outra versão da metáfora, à panificação. "Para fazer o pão cozemos a farinha de cereal. Neste processo cozemos a farinha de pedra natural".
Em cada explosão, que ocorre uma a duas vezes por dia útil, retiram-se cinco mil toneladas de calcário e marga (que contém argila) – duas matérias-primas necessárias à produção de clínquer, o produto intermédio no fabrico de cimento. "Até entrarmos na sala de comando é tudo ao milhão e à tonelada", tinha avisado o director de comunicação, guia da visita.
As rochas são partidas no britador, que desfaz e mistura a pedra com outros "subprodutos". Até aos silos e aos armazéns, o material triturado percorre 800 metros num tapete de borracha que passa por cima da estrada nacional – enquanto nós passamos de carro em frente às casinhas do "bairro Secil", instalado no meio do complexo industrial, onde ainda vivem alguns reformados da fábrica ou as suas viúvas.
Já em forma de farinha, com uma mistura de areia e óxido de ferro, o material desce pelos 70 metros da chamada "torre de ciclones" em direcção ao impressionante forno número oito, onde chega a atingir 1.450 graus.
O calor é gerado através da queima de combustíveis fósseis mas também de pneus e de combustíveis derivados de resíduos – através do processo que durante vários anos marcou a agenda de José Sócrates: a co-incineração.
É o calor que permite a "descarbonatação", ou seja, o processo que transforma o carbonato de cálcio em cal, retirando o dióxido de carbono, explica Vítor Henriques. E é também por causa desse processo central que a indústria de cimento é responsável por 5% das emissões de carbono a nível mundial. Para já, a Secil não paga emissões, o que segundo Filipe Cortinhal, director executivo para a área do cimento, não seria possível se estivesse a produzir ao ritmo mais acelerado de há cinco anos. No dia em que visitamos a fábrica, o forno número sete está parado "por motivos de mercado".
A fábrica do Outão garante mais de metade da produção instalada da empresa em Portugal, mas de acordo com o mesmo responsável o volume de vendas que saiu das três fábricas portuguesas recuou 35% desde 2001, evolução que compara com a quebra de 75% no consumo interno de cimento.
Fim de exploração? Depende
Dez minutos depois da placa que indica o início do Parque Nacional da Serra da Arrábida, impõem-se à paisagem as enormes torres da fábrica, que tem uma série de camiões estacionados à entrada. Não há volta a dar: é esta localização exótica – onde a unidade que foi vendida ao grupo de Queiroz Pereira nos anos noventa está instalada desde 1930 – que torna a Secil um ícone de Setúbal, contagiando todas as conversas sobre uma das maiores exportadoras do concelho. É o elefante no meio da sala, ou um gigante industrial no meio do parque natural.
Enquanto a presidente da Câmara sugere que o espaço daria um belo "resort" e os ambientalistas pedem uma saída antecipada, os responsáveis da Secil evitam alimentar essa discussão. A localização é considerada insubstituível pela proximidade de matéria-prima (calcário e marga), pelas fábricas já instaladas e pelo acesso ao mar. De um cais privado saem directamente os produtos para a Argélia, a Guiné Equatorial ou a Costa do Marfim.
A subsidiação de cerca de oitenta associações e "iniciativas" locais – com transferências que a autarquia calcula em 250 mil euros por ano – valoriza a Secil na comunidade. A fábrica emprega agora directamente cerca de 170 pessoas – perdeu à volta de 50 nos despedimentos de 2013.
É por vezes referido que a Secil tem licença para explorar até 2044, um limite que os responsáveis não reconhecem. Dos 118 milhões de toneladas autorizados, foram explorados "cerca de metade". A velocidade vai depender da evolução do produto e de consumo de cimento, refere Filipe Cortinhal. Se a economia continuar a arrefecer, a exploração de pedra no parque natural vai durar muito mais tempo.